Título: Tortura e achaques no caso Abadía
Autor: Pereira, Rodrigo., Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2007, Metrópole, p. C5

Cúmplices de traficante disseram à PF que um deles foi espancado até pagar US$ 400 mil a policiais civis

Depoimentos feitos à Polícia Federal mostram que policiais do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo seqüestraram, torturaram e assaltaram integrantes da quadrilha do colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía. Em vez de prender um dos maiores traficantes de drogas do mundo, os policiais civis achacaram integrantes do bando. A suspeita é de que, para tomar mais de US$ 1,5 milhão dos bandidos, eles utilizaram todos os instrumentos possíveis de investigação, até mesmo escutas clandestinas.

Comparsas de Abadía disseram à PF que entre as vítimas dos policiais está o foragido Henri Edival Lagos, conhecido como Primo e Pacho, indiciado pela Justiça Federal pelos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Detido pelos policiais, Primo teria sido seqüestrado e espancado até pagar US$ 400 mil em espécie.

Em outra extorsão, uma Blazer da polícia e dois carros descaracterizados abordaram o piloto André Luiz Telles Barcellos, tido como braço direito do megatraficante, e um co-piloto que não foi denunciado à Justiça. Os dois saíam da loja de veículos de Antonio Marcos Ayres Fonseca, o Marcão, próximo ao aeroporto do Campo de Marte.

Foram algemados um ao outro e circularam por horas por São Paulo em um Palio Weekend roxo com placas de São José dos Campos. Foi nessa ocasião que os policiais demonstraram saber com quem estavam lidando: descreveram as atividades da quadrilha e detalharam a utilização pelos bandidos de um avião estacionado no hangar do Campo de Marte para traficar drogas e transportar valores. Afirmaram que tinham grampos que incriminavam a dupla.

Os policiais exigiram R$ 1 milhão para soltá-los. Furtaram R$ 85 mil que Barcellos carregava da venda de uma caminhonete Toyota e soltaram o co-piloto, que ficou encarregado de buscar mais dinheiro. Ele procurou outro estrangeiro foragido da quadrilha, Frank Zambrano, ou Índio. Só liberaram Barcellos em frente a uma megastore de material de construção na Marginal do Tietê, quando o co-piloto apareceu com o dinheiro. Na emboscada, os policiais do Denarc conseguiram levar US$ 220 mil do grupo de Abadía e uma Nissan Frontier.

Um dos policiais civis ainda marcou por telefone um encontro com o co-piloto em um cartório, 20 dias depois, para que a documentação da caminhonete fosse registrada no nome de um laranja escolhido pelos tiras.

Há suspeitas de que essas duas investidas tenham sido executadas pelos mesmos policiais. Nos depoimentos, as vítimas dos achaques lembram que eles eram chamados de Bob e Alemão pelos comparsas.

Há também a acusação do pagamento de US$ 800 mil a um delegado que teria levado para ¿averiguações¿ no Denarc a mulher de Daniel Brás Maróstica, Ana Maria Stein. Maróstica é tido como o operador de Abadía em São Paulo.

Uma última afronta ao bolso do colombiano seria feita pelos policiais civis no início de agosto e foi abortada porque a PF preparava o bote ao grupo do colombiano, na chamada Operação Farrapos, desencadeada no dia 7 de agosto. Até agora dois delegados que trabalharam no Denarc, Pedro Pórrio e Irani Guedes Barros, foram citados nas investigações - repassadas ao Ministério Público Estadual e à Corregedoria da Policia Civil de São Paulo.

A suspeita é de que as extorsões contavam com o apoio ou seguiam as diretrizes da cúpula do departamento.