Título: EUA defendem subsídios na OMC
Autor: Chade, Jamil., Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2007, Economia, p. B15

Governo americano tenta provar que medida é legal e que Brasil e países emergentes não têm razões para queixas

Em uma verdadeira ofensiva de relações públicas que envolveu eventos em Washington e Genebra, o governo americano anunciou que notificou à Organização Mundial do Comércio (OMC) ontem seus subsídios agrícolas dados entre 2002 e 2005. Na missão americana na OMC, a habitual pouca transparência foi transformada em um evento com música, café e doces. Tudo para tentar provar que os subsídios estão dentro das leis internacionais e o Brasil e outros emergentes não têm motivos para se queixar. Em Washington, o Escritório da representante de Comércio convocou uma entrevista coletiva.

A própria data do anúncio foi escolhida a dedo. A publicação ocorreu na véspera de uma reunião considerada o início das negociações sobre o corte de tarifas para bens industriais nos países emergentes em Genebra. 'Muitas pessoas disseram que os cortes de subsídios que nós propusemos até hoje não são significativos', disse o negociador agrícola americano na OMC, Joe Glauber, em Washington, ao anunciar os dados.

'Com esse números queremos mostrar que os cortes que propomos são expressivos.' Segundo Glauber, nos últimos quatro anos os subsídios americanos ficaram abaixo do teto de US$ 19,1 bilhões estabelecido da Rodada Uruguai.' Além disso, o corte de 60% na ajuda aos agricultores, que nós propusemos em outubro de 2005, é realmente significativo', disse, explicando que em 7 dos últimos 8 anos os subsídios ultrapassaram o teto de US$ 7,6 bilhões proposto pelos EUA em 2005.

Fontes na OMC interpretaram o anúncio como uma jogada para mostrar à opinião pública que a Casa Branca está fazendo concessões e pode, hoje, cobrar os países emergentes como o Brasil a abrir seus mercados. 'Já esperávamos isso', admitiu um negociador brasileiro.

Segundo relatou ontem o negociador, os subsídios distorcivos foram de US$ 9,6 bilhões em 2002, US$ 6,9 bilhões em 2003, US$ 11,6 bilhões no ano seguinte e US$ 12,9 bilhões em 2005. Mas os números são vistos com ceticismo. 'Estamos analisando como os Estados Unidos classificaram seus programas', destacou o embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney. Fontes no Itamaraty, porém, já fazem sérios questionamentos sobre os valores apresentados pelos EUA.

O Brasil está prestes a entrar com uma queixa na OMC alegando que, na maioria dos anos entre 1999 e 2006, os americanos superaram esse teto estabelecido nos anos 90. O que os americanos deixam de incluir nesse cálculo seria o apoio anticíclico, calculado em bilhões. Para Washington, esses recursos não são direcionados a produtos específicos e, portanto, não podem ser considerados distorcivos. Na prática, porém, quatro produtos - algodão, milho, trigo e soja - recebem mais da metade desses recursos.

Outra magia nos números se refere à exclusão de pagamentos diretos aos produtores, que somariam outros US$ 5,1 bilhões por ano. 'Acreditamos que esses programas não afetam preços internacionais dos produtos', afirmou Glauber.

Na disputa vencida pelo Brasil contra os subsídios ao algodão, os árbitros internacionais incluíram esses programas na lista dos apoios irregulares.

Outro problema nos números se refere à ajuda alimentar. Glauber estima que a alta nos subsídios considerados legais ocorreu por causa de um aumento na ajuda alimentar dada nos EUA. Os subsídios legais, que teoricamente não distorceriam o mercado, chegaram a US$ 71,8 bilhões, segundo os dados americanos. Em 2004, foram de US$ 64,7 bilhões e US$ 58 bilhões em 2002. Em comparação com os anos 90, os valores atuais são quase o dobro.

Ontem mesmo, o diretor da OMC, Pascal Lamy, chamou a atenção para o fato de que a ajuda alimentar não pode se tornar mais uma forma de subsídio do governo que, ao comprar os produtos dos fazendeiros, garante preço e mercado.

Diplomatas em Genebra ainda apontaram o fato de que os números dos americanos foram calculados para provar que a Casa Branca está dentro da lei. Mas os valores não provam que, em caso de corte como resultado da Rodada Doha, ocorreria uma redução efetiva nos subsídios.

Glauber desconversou ao ser perguntado por que os americanos levaram quatro anos para notificar à OMC seus subsídios, algo que seria uma obrigação de todos os países. 'O que conta é que agora fizemos esse esforço e notificamos', alegou.