Título: Cada um sabe de si
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2007, Nacional, p. A8

Inestimável a contribuição do Poder Judiciário, aí compreendidos o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, para os meios e modos da política, ao decidir que deputados e vereadores não podem vender seus mandatos para os poderosos da ocasião.

E a decisão foi tão mais importante quanto menos se revestiu de um caráter agressivo: não determinou punições, não cassou, não cortou cabeças, não foi além dos preceitos constitucionais.

Aliás, ficou até aquém deles, como bem notou o ministro Marco Aurélio Mello, quando impôs um prazo (27 de março último) de validade a um conceito impresso no próprio sistema eleitoral, que veda candidaturas avulsas e exige filiação partidária a quem pretende um mandato.

Cacarecos eleitorais não têm os votos neles contabilizados não por serem cacarecos, mas por não terem condição partidária para concorrer.

O que o STF disse na noite de quinta-feira e o TSE já havia dito em março é que quem troca de partido sem uma justificativa muito bem justificada renuncia automaticamente à vaga no Parlamento, seja ele federal, estadual ou municipal.

Em breve, dirá também - há consulta nesse sentido apresentada à Justiça Eleitoral - se prefeitos, senadores, governadores e presidentes da República enquadram-se nesse entendimento.

Os ministros, à exceção dos vencidos, foram benevolentes - talvez melhor seria dizer prudentes - com os trânsfugas datados da eleição de outubro até março, mandaram que os outros fossem buscar seus direitos no TSE e avisaram ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, que ele não respeitou o direito dos partidos usurpados ao se recusar a tomar uma decisão e remeter a questão para o STF.

Não há, pois, nenhuma razão nem embasamento para que suas excelências usem de suas prerrogativas para propor anistia, pois não há punição imposta. Decidiram por vontade própria mudar de partido e, no caso dos que assim resolveram após a manifestação do TSE, ainda há o agravante do desafio à Justiça.

Conforme a compreensão da Corte, podem até continuar mudando ao sabor das ofertas recebidas, aplicando-se o mesmo aos senadores ora em trânsito para legendas governistas.

Mas daqui em diante fica patente que seus atos terão conseqüências. Pode parecer pouco para quem queria ver sangue jorrando e muito para quem preferia outras substâncias circulando, mas, à situação de absoluta loucura atual, foi na medida.

Alguns fazem de conta que não entenderam. O líder do governo na Câmara, por exemplo. O deputado José Múcio avaliou - não só ele, a maioria dos que foram dormir na quinta-feira sorrindo amarelo - que o Supremo ¿mandou um recado para os políticos fazerem a reforma política¿.

Não mandou recado nenhum. Disse apenas com todos os efes e erres que quem quiser vender o mandato pode, mas corre o risco de ficar sem a mercadoria para entrega.

Vários outros se fizeram de desentendidos, entre eles o presidente Luiz Inácio da Silva, que se mostrou contrário à ¿mudança das regras do meio do jogo¿.

O problema não é a regra, mas justamente o jogo. E o presidente, assim como seus líderes e todos os partidos, incluindo os de oposição que já foram governo, sempre souberam perfeitamente qual é o nome do jogo.

Não se trata de mudança de orientação partidária, mas de negociata rastaqüera, mediante apropriação indevida de um bem inegociável: a vontade do eleitor.

No lugar da conversa desviante, as autoridades, a começar pelo presidente e alcançando também os grupos hoje prejudicados, mas anteriormente beneficiados, deveriam examinar com seriedade o conteúdo dos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal, refletir a respeito e parar de atribuir tudo à falta de reforma política, porque é pura embromação.

Em cena

A deputada Jusmari Oliveira, enquadrada aos costumes pelo voto da ministra Cármen Lúcia, que pôs seu destino nas mãos do TSE, alega ter sido alvo de ¿perseguição¿ no então PFL, do qual se desfiliou, diz, também por causa da mudança de nome para Democratas - uma insuportável guinada ideológica, segundo ela.

Quando mudou do PFL para o PR, porém, a deputada não posava de vítima. Ao contrário. Mudou de partido exatamente no dia seguinte à decisão do TSE, no dia 28 de março, e na ocasião estava toda feliz, desafiadora, mesmo.

Dizia: ¿Pedidos e pleitos que levava a meu antigo partido não surtiam mais efeito. O PFL não representa mais a ideologia do meu povo, que votou na deputada e não no partido.¿

Jusmari não deixou claro qual seria a ideologia do seu povo nem como poderia ser deputada sem o partido.

Nova rotina

A Fundação Padre Anchieta informa que a divulgação de fotos de participantes de programas da TV Cultura é rotina, não tendo sido privilégio do ministro Nelson Jobim a distribuição das imagens de sua entrevista no Roda Viva de segunda-feira última. I