Título: Em troca da prorrogação da CPMF, aliados vão controlar R$ 686 bilhões
Autor: Domingos, João; Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2007, Nacional, p. A4

Na barganha de cargos em estatais, governo se vê obrigado a fazer até mesmo rodízio de apadrinhados

Para garantir R$ 40 bilhões por ano com a aprovação da emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo aceitou barganhar cargos em estatais, bancos e fundos de pensão que administram R$ 686,7 bilhões (27,2% do PIB). A gestão fisiológica destinada a satisfazer 11 partidos de uma base de apoio no Congresso com tamanho nunca antes visto na história do País tem produzido até o rodízio de aliados nas estatais e no segundo escalão.

Esse rodízio possibilita o deslocamento de um aliado para abrir espaço para outro. Já aconteceu na Petrobrás e deverá ocorrer de novo.

Primeiro, o petista histórico Ildo Sauer foi apeado da Diretoria de Gás e Energia para ceder lugar a Maria das Graças Foster, nomeada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Por sua vez, Maria das Graças cedeu o lugar na presidência da BR Distribuidora ao ex-senador petista José Eduardo Dutra.

Nesse revezamento, Paulo Roberto Costa, da cota do PP, deverá ser deslocado da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, para ceder a vaga ao petista Alan Kardec. Costa, que embora bancado pelo PP, tem 28 anos de Petrobrás e já dirigiu a Bacia de Campos, deverá ficar com a Diretoria de Exploração e Produção, ocupada pelo petista Guilherme Estrella, que poderá ir embora. Mas o PT já anunciou a reação para segurar seu aliado no cargo. Entre os argumentos levados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alega que Estrella descobriu petróleo no Iraque. O poço foi confiscado à Petrobrás pelo então ditador Saddam Hussein.

Ainda na Petrobrás, a Diretoria da Área Internacional deverá ser entregue a João Augusto Henriques, indicado pelo PMDB de Minas. Para que ele entre, Nestor Cerveró, indicado pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), terá de deixar a função. Por causa da demora na nomeação de Henriques, a bancada mineira ensaia uma rebelião toda vez que há uma votação importante. Na véspera da aprovação do primeiro turno da CPMF, o Palácio do Planalto teve de mobilizar um batalhão de ministros para convencer os mineiros a votar a favor da proposta, sempre com a promessa de que o pupilo será nomeado.

BILIONÁRIO LOTE

As jóias em disputa pelos partidos da base aliada incluem um seleto e bilionário lote, com diretorias na Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, Furnas, Eletronorte, Correios, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Companhia Nacional de Alimentos (Conab), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Departamento Nacional de Infra-Estrutura em Transportes (DNIT), Infraero, Itaipu, Previ, Funcef e Petros, estes três últimos fundos de pensão que administram cerca de R$ 75 bilhões só para investimentos anuais.

Por enquanto, o PT tem levado vantagem na briga para ficar com os fundos de pensão. Na presidência do Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, foi mantido Sérgio Rosa. Além de ser sócio de empresas como Brasil Telecom e Perdigão, o Previ dispõe de R$ 67,4 bilhões para investimentos. Na presidência do Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobrás, que conta com R$ 2,3 bilhões para investimentos, o PT conseguiu segurar o bancário petista Wagner Pinheiro, apadrinhado do presidente do partido, Ricardo Berzoini (SP).

Na Funcef, o fundo de pensão da Caixa Econômica Federal, os petistas venceram a disputa com os aliados e seguraram Guilherme Lacerda. A Funcef conta com R$ 6 bilhões para investimentos.

No Banco do Brasil, por enquanto fica no cargo Antônio Francisco de Lima Neto, nomeado interinamente no ano passado pelo ministro Guido Mantega (Fazenda). Seu cargo poderá entrar nas barganhas.

Antes, o PMDB garantira para o ex-senador Maguito Vilela (GO) a vice-presidência de Governo, responsável pela gestão de fundos de pensão privada e pelo relacionamento comercial com o setor público. Só de tributos federais recolhidos pelo banco são R$120 bilhões ao ano.

Para não deixar o PT na mão, o BB mexeu em sua estrutura e criou outra vice-presidência, de Agronegócios, entregue a Luiz Carlos Guedes Pinto, que foi ministro da Agricultura. Essa vice-presidência é responsável pela administração de R$ 50 bilhões. O PT também ficou com as diretorias de Tecnologia e Logística (José Luiz Prola Salinas), Crédito, Controladoria e Risco Global (Adézio de Almeida Lima) e Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental (Luiz Oswaldo Moreira de Souza).

A presidência da Caixa Econômica Federal foi mantida pelo PT, com a pernambucana Maria Fernanda Ramos Coelho. Mas o PMDB assegurou um ótimo lugar, ao garantir uma das 11 vice-presidências para o ex-deputado Moreira Franco (RJ).

'RESOLVER TUDO'

'Nenhum cargo é mais sagrado, porque tudo é negociado', faz rima o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB).

Ele diz que o governo Lula, mais do que os anteriores, se vê obrigado a atender à sanha partidário-fisiológica, primeiro por causa do tamanho da coalizão de governo; segundo, porque, a partir da reeleição, Lula passou a ceder à pressão dos aliados e, com essa atitude, atraiu mais e mais pressão, a ponto de ver-se envolvido numa armadilha que não desarma nunca. Além do mais, como o tempo é muito curto para a aprovar a prorrogação da CPMF, os representantes da coalizão perceberam que havia chegado a hora de resolver tudo de uma vez só.

Tanta disputa gera chantagens e intrigas. No PT, por exemplo, há um choro generalizado não só contra a fome de partidos aliados, mas contra Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, Tarso Genro. Setores que até agora não conseguiram indicar ninguém reclamam que, por enquanto, só os dois ministros conseguiram emplacar aliados.

Nessa guerra pelos cargos, vale tudo. O PT gaúcho quer fazer do vice-líder do governo Henrique Fontana (PT-RS) ministro das Relações Institucionais, no lugar de Walfrido Mares Guia, do PTB. O ataque é tão aberto que o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) já concedeu entrevista na qual pede a cabeça de Mares Guia, por suspeita de ter participado do 'mensalão mineiro'.