Título: Grozny renasce sob mão-de-ferro
Autor: Chivers, C. J.
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2007, Internacional, p. A23

Destruída durante conflito separatista, capital chechena é reconstruída pelo governo autoritário do presidente Kadyrov.

C. J. Chivers, The New York Times, Grozny

Três anos após uma onda de ataques guerrilheiros e terroristas que levou muitos analistas a afirmar que a Rússia não poderia vencer a guerra contra os separatistas da Chechênia, a república está sob controle quase total do Kremlin e seus procuradores nativos, liderados por Ramzan A. Kadyrov, o presidente checheno.

No quesito direitos humanos, o currículo de Kadyrov é arrepiante. Apesar das histórias de brutalidade e impunidade em seu governo, até mesmo seus críticos mais duros dizem que ele conquistou apoio popular significativo, graças em parte às claras mudanças que têm acompanhado seu governo. Há dois anos, os combates ocorrem apenas em pequena escala. Favorecido pela calmaria no conflito e com verbas abundantes, Kadyrov reconstruiu a maior parte da capital e arredores.

Como Stalingrado depois da 2ª Guerra, Grozny, a capital chechena, ressurgiu dos escombros - e com mais rapidez que as cidades européias recuperadas pelo Plano Marshall. Ainda no início de 2006, Grozny resumia-se a fileiras de edifícios destruídos diante de fossas. A cidade agora tem energia elétrica quase 24 horas por dia e um fornecimento de gás natural confiável. Muitos bairros têm água. Complexos habitacionais foram reconstruídos quarteirão após quarteirão e famílias mudaram-se para prédios de apartamentos que há um ano estavam em ruínas.

Os mercados estão cheios de produtos, de laptops a móveis de escritório, aparelhos de ar-condicionado, televisores de tela plana e carros zero. As melhorias também estão chegando às montanhas do Cáucaso, antigo reduto dos separatistas.

No centro do processo está Kadyrov, o ex-rebelde considerado um bandido ignorante e transformado em aliado do Kremlin há três anos, após a morte de seu pai num atentado.

Assim como a república que governa, Kadyrov desafiou as previsões sombrias. Na presidência da Chechênia desde fevereiro, ele se tornou um populista capaz de abraçar, a um só tempo, o Islã sufista, a identidade étnica chechena e a autoridade do Kremlin.

Seu sucesso tem uma qualidade paradoxal. Unidades paramilitares de seu governo são suspeitas de seqüestros, tortura e execuções extrajudiciais. Grandes valas estão cheias de corpos não identificados - segundo ativistas pró-direitos humanos, são vítimas de uma campanha para exterminar supostos insurgentes e punir suas famílias. Mas vários moradores, embora reclamem de corrupção nos programas de reconstrução ou de injustiças na distribuição de residências recuperadas, elogiam o presidente. Kadyrov, afirmaram eles, faz seu governo funcionar e obriga os empreiteiros contratados pelo regime a cumprir seus prazos exigentes. 'Ninguém mais conseguiu fazer o que ele fez em apenas um ano', disse Linda Saraliyeva, de 28 anos.

Funcionários chechenos dizem que a segurança melhorou tanto que a república, fechada a forasteiros, poderá liberar a visita de turistas no ano que vem. Numa iniciativa considerada absurda pelos críticos, o governo está desenvolvendo um plano de turismo para atrair visitantes para as montanhas e trilhas de caminhada e cavalgada. Um pequeno hotel foi inaugurado e há planos para construção de outro mais luxuoso ligado a um complexo esportivo.

Outro sinal de recuperação física e diminuição da hostilidade é a disputa pelas moradias. Antes da guerra, Grozny tinha cerca de 79 mil apartamentos. A prefeitura quer recuperar cerca de 45 mil apartamentos; os outros, ficavam em prédios que foram destruídos. Várias famílias reivindicam os mesmos apartamentos, alegando que eram seus antes da guerra ou foram comprados depois.

O apoio a Kadyrov, no entanto, está longe de ser total. Numa área pobre conhecida como Xangai, moradores denunciam ter sido forçados a se mudar para habitações piores - pequenas cabanas num campo poluído por petróleo - porque seus terrenos agora são valiosos para os novos especuladores imobiliários de Grozny. A Chechênia, segundo ativistas pró-direitos humanos, continua atormentada por problemas, embora em menor escala. Em Grozny, alguns prédios tiveram apenas a parte externa reconstruída. O interior continua em ruínas ou inacabado. A origem do financiamento do programa de reconstrução, vasto e quase instantâneo, também não está clara.

E a insurgência, embora reduzida, ainda é um fator importante. Para Sarah Mendelson, diretora do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington, é cedo demais para anunciar a recuperação da Chechênia. Os problemas atuais, entre eles a lealdade questionável dos ex-rebeldes agora no poder e a disputa entre o Kremlin e o governo checheno pelo petróleo no território, são grandes o bastante para levar a república à desordem novamente. A história poderá mostrar, disse Mendelson, que Kadyrov era apenas um construtor.