Título: Se arrumar a estrada, a gente paga com gosto
Autor: Fadel, Evandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2007, Economia, p. B6
Ondulações, pontes inseguras e buracos desafiam quem usa a BR-116.
A empresa que conseguir a concessão da BR-116, no trecho de 412,7 quilômetros entre Curitiba e a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, no leilão previsto para terça-feira, terá muito trabalho. Trata-se da construção de uma nova ponte sobre o Rio Iguaçu, no município de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, e da recuperação de um trecho de 170 km no território catarinense. Mas, se depender da opinião dos usuários, mantendo-se a qualidade do serviço, não haverá protestos contra a cobrança de pedágio.
'Se arrumar e mantiver arrumada, a gente até paga com gosto', disse o caminhoneiro Amauri Castilho, de Curitiba. Do restaurante onde parou para a refeição, quarta-feira, Castilho olha para a rodovia, no lado paranaense, que ainda reflete a luminosidade da tinta de sinalização. A regional do Paraná do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) concluiu recentemente o recapeamento do trecho de cerca de 100 km. 'Era muito ruim, com bastante buraco.'
Mas a situação continua crítica na ponte sobre o Rio Iguaçu, de 200 metros, em Fazenda Rio Grande. Dados do Dnit mostram que por ali passam diariamente 30 mil veículos. Eles disputam a pista estreita com pedestres e ciclistas. No dia 29, sete carros se envolveram em um acidente na ponte - dois caminhões despencaram no rio e um motociclista morreu. Foi mais uma das 50 mortes até 30 de setembro no trecho sul da BR-116 no Paraná. No posto da Polícia Rodoviária Federal há uma pilha de latarias distorcidas. 'É o museu do horror', disse o supervisor do posto, Marcos Negrão.
Segundo o Dnit-PR, o poder público não intervirá na ponte. O órgão espera que, após a concessão, a empresa vencedora duplique em quatro anos o trecho de 20 km até Mandirituba e construa a segunda ponte. Enquanto isso, ciclistas ficam nas cabeceiras calculando o tempo entre os veículos para cruzá-la. 'No começo da manhã e fim de tarde a gente chega a ficar mais de meia hora aguardando uma brecha', disse João Martins da Silva, que mora na cidade e trabalha do outro lado do rio.
Outras sete pequenas pontes passam por reformas, com alargamento, passarela para pedestres e sinalização. Pelo trecho passa boa parte da produção do centro-oeste de Santa Catarina e do sul do Paraná em direção ao Porto de Paranaguá.
O borracheiro Adilson Aparecido Carreira disse já ter arrumado muita roda torta. 'Mas, depois que começaram a falar em pedágio, deram uma melhorada na estrada.' Segundo ele, porém, não se deve confiar no trabalho. 'Estão levando sorte. É só chover para começar a abrir buracos.'
SANTA CATARINA
A primeira imagem que se tem ao entrar em Santa Catarina é de uma estrada com recapeamento novo. Mas, depois do município de Mafra, o motorista começa a vivenciar a experiência da má fama da BR-116 - não é por acaso que, entre os sete lotes a serem leiloados, o teto de pedágio (R$ 4,18) está no trecho sul da rodovia. Buracos, pelo menos até a semana passada, não havia, mas ondulações e remendos dão a impressão de se flutuar num tapete enrugado.
A velocidade limite é de 80 km/h. 'O caminhão não roda, vai no pinote', brincou o caminhoneiro Carlos Andrade e Silva. Saindo de Farroupilha (RS) em direção a São Paulo, ele passa pelo menos quatro vezes pela rodovia por semana.
A assessoria do Dnit em Santa Catarina disse que, em outubro de 2006, foi iniciado o Programa Integrado de Revitalização de Rodovias, que compreende, na BR-116, um trecho de 144,5 km, da divisa com o Paraná ao município de Taió. Com investimentos de R$ 23 milhões, será feito o recapeamento até outubro de 2008. 'O Dnit trabalha independentemente do processo de concessão.'
Mas não são todos os trechos que estão ruins. Esse é o caso dos 20 km entre Correia Pinto e Lages. Já a partir de Lages, até a divisa com o Rio Grande do Sul, numa extensão de 60 km, há muita ondulação. Segundo o Dnit, o problema deve-se ao tipo de tráfego no meio-oeste catarinense, com caminhões pesados e muita carga de madeira.
O órgão informou, ainda, que desde a construção, nos anos 70, a BR-116 nunca recebeu investimentos para uma manutenção adequada. São insuficientes também para o caminhoneiro Jair Mazeto, morador de Veranópolis (RS). 'Com um caminhão de 15 ou 16 mil quilos não tem condições de andar.' Segundo ele, as ondulações impedem que se ganhe velocidade antes de uma subida mais íngreme. Entre as cidades de Monte Castelo e Santa Cecília, as ondulações na lateral da pista levam os motoristas, não raro, a desviar para a outra.
Apesar da reclamação, Mazeto não quer nem saber de privatização. Para ele, o governo devia assumir a reconstrução da rodovia, cobrando um valor baixo de pedágio. 'Não pode deixar esse pessoal (concessionárias) explorar, o próprio governo devia pegar esse dinheiro.'
Para o caminhoneiro Gilson de Souza, os remendos nos buracos da BR-116 não passam de 'tapeação.' Depois de passar pelas estradas pedagiadas no Paraná, ele aderiu ao sistema. Souza lembrou que dormiu duas vezes em meio ao nada, por problemas com o caminhão. 'Se fosse estrada pedagiada, o socorro chegaria logo. Mesmo pagando, o motorista ganha porque leva menos tempo na viagem e pode trabalhar em dobro.' Entre janeiro e julho deste ano, a polícia rodoviária contou 390 acidentes com 32 mortes na BR-116, em Santa Catarina. Por ali passam diariamente de 5 a 6 mil veículos.