Título: Crescimento - quatro lições da Rússia
Autor: Cysne, Rubens Penha
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2007, Economia, p. B2

Entre 2001 e 2006 a economia russa cresceu 43,5% e a brasileira, apenas 18,7%. Se o Brasil tivesse crescido à taxa russa o seu PIB teria sido, em 2006, algo da ordem de R$ 485,3 bilhões a mais. Tratar-se-ia tal montante não de transferências entre agentes econômicos, mas de geração líquida anual de riquezas para todos. A título de comparação, a CPMF, sobre cuja prorrogação ou não muito se discute, arrecadou para o governo federal em 2006 R$ 32 bilhões, dos quais algo da ordem de R$ 9 bilhões (menos de 2% de R$ 485,3 bilhões) se destinaram ao programa Bolsa-Família.

Pelo menos quatro importantes diferenças na condução de política econômica entre o Brasil e a Rússia podem ser observadas nos últimos anos.

Um primeiro ponto diz respeito à evolução do total de gastos do setor público. Enquanto na Rússia este total passou de 42,5% do PIB em 1998 para 35,4% do PIB em 2006, no Brasil o que se viu foi o contrário: os gastos totais e a arrecadação tributária aumentaram. A carga tributária total em 2002 foi de 31,9% do PIB; em 2006, de 34,2% do PIB. Por outro lado, a necessidade de financiamento do setor público como um todo passou de 3,55% do PIB para 3,88% do PIB. Grosso modo o total da despesa se elevou em algo da ordem de 2,6% do PIB, trajetória diametralmente oposta à da Rússia. Alguns outros cálculos mostram números ainda mais elevados.

Um segundo ponto de assimetria diz respeito à flexibilidade e ao nível de taxação existente no mercado de trabalho. Na ausência de flexibilidade de salários, valorizações do câmbio podem tornar os rendimentos dos setores industriais tradicionais demasiado elevados, gerando falências, desemprego e redução do crescimento. Esse tipo de pressão se tem sentido fortemente no Brasil, por exemplo, na concorrência que o setor de calçados sofre das importações da China.

Na Rússia, boa parte dos contratos de trabalho tem parcela do salário determinada de forma variável, em razão dos lucros da firma. Tal flexibilização ajusta os rendimentos às oscilações econômicas e incentiva que os empregados de setores com menores lucros migrem para os setores mais lucrativos, reduzindo-se o desemprego que se observaria por demandas salariais não atendidas.

Um terceiro ponto de assimetria diz respeito à evolução das taxas de juros. Na Rússia, a taxa de inflação passou de algo em torno de 20%, no ano 2000, para algo em torno de 10%, em 2006. Os juros reais no período, entretanto, em vez de patamares em boa parte do período 2005/2006 superiores a 10% ao ano, como no Brasil, foram ou muito próximos de zero ou negativos.

Isso não foi motivo para que não entrassem recursos externos na conta de capital por causa de dois motivos: primeiro porque, a exemplo do que também tem ocorrido no Brasil, desde o ano 2000 a moeda russas tem apreciado em relação ao dólar (o que não tem impedido uma forte melhora do saldo em conta corrente nos últimos anos); segundo porque, também a exemplo do ocorrido no Brasil, a melhora das relações de troca com o exterior fez com que mais capital passasse a entrar no País para o mesmo diferencial de juros.

A Rússia percebeu que o canal cambial tendia a preponderar sobre o canal do crédito direto na contenção da inflação pelos juros. Lá, tal como cá, há segmentação de crédito do tipo mercado/extramercado, fato que tende a reduzir a potência do canal creditício na redução de demanda agregada. Deixar o juro nos patamares brasileiros apenas faria com que contribuintes de impostos na Rússia tivessem de trabalhar mais para sustentar rentistas que contabilizam lucros em dólar. Aos russos, aparentemente, não interessava isso.

Um quarto ponto de dissensão entre o que se tem observado na Rússia e no Brasil diz respeito à reforma tributária. A Rússia, ao contrário do Brasil, percebeu que o telhado se conserta em dia de sol, aproveitando-se da bonança dos preços do petróleo elevados para modificar substancialmente seu sistema tributário.

Os recursos adicionais gerados pelos elevados montantes de exportação de petróleo (da ordem de 20% do total das receitas públicas, entre 2002 e 2004) foram usados como elemento segurador de uma reforma que teve como ponto inicial a redução das alíquotas de vários impostos. As receitas totais não se reduziram, como previram os mais pessimistas.