Título: O saneamento emperrado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2007, Notas & Informações, p. A3

O Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, levará mais de um século para proporcionar saneamento básico a toda a população, se o déficit continuar a cair no mesmo ritmo dos últimos 15 anos. O acesso à coleta de esgotos aumentou apenas 0,4% ao ano entre 1992 e 2006, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), e 53,2% dos brasileiros continuam desassistidos. Essa é uma das principais causas de mortalidade infantil. Sete crianças morrem por dia por causa de enfermidades associadas às más condições sanitárias. Mesmo com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o quadro mudará muito lentamente, observou o professor Marcelo Néri, economista do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.

Estão previstos no PAC investimentos de R$ 40 bilhões até 2010 - R$ 10 bilhões por ano, a partir de 2007 - na expansão dos serviços de saneamento. Seria preciso investir o dobro anualmente para se universalizar o atendimento até 2020, segundo o economista.

De onde sairia esse dinheiro? Há um evidente equívoco na orientação do governo federal. A única saída eficiente seria envolver o setor privado nessa tarefa, por meio de concessões ou, menos provavelmente, de parcerias. Mas a administração federal, até agora, tem descartado essa alternativa.

A maior parte das empresas de saneamento controladas pelo setor público tem dificuldades financeiras insanáveis a curto prazo. Todas enfrentam limites estreitos de endividamento e os Estados e municípios não têm recursos para custear os investimentos necessários. Mas isso é apenas parte do problema. Também falta, em muitos casos, capacidade gerencial para o uso das verbas disponíveis.

Nos últimos cinco anos, lembrou Néri, a Caixa Econômica Federal ofereceu aos interessados R$ 6 bilhões. O dinheiro seria fornecido pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Somente R$ 2 bilhões foram aplicados, por excesso de burocracia e falta de projetos, segundo o economista.

Verbas paradas por falta de projetos ou por entraves burocráticos não são uma raridade. Governadores e prefeitos cobram com alarde maiores transferências federais, mas com freqüência são incapazes de usar o dinheiro obtido porque na hora de sacá-lo não estão prontos para concretizar o investimento.

O envolvimento do setor privado - experiência bem-sucedida em alguns municípios - facilitaria, portanto, a solução de dois problemas. Haveria maior volume de capitais para os investimentos e maior competência técnica e administrativa para a elaboração do projeto, para a execução das obras e para a gestão dos serviços. As populações seriam beneficiadas e os governos estaduais e municipais poderiam concentrar recursos financeiros e esforços na execução de outras tarefas também muito importantes.

A deficiência do saneamento básico é apenas um dos problemas da infra-estrutura. É particularmente grave, porque afeta de forma direta as condições de saúde e até a expectativa de vida de cerca de 100 milhões de brasileiros. Seus efeitos são visíveis também na educação, porque as doenças ocasionadas pelas condições sanitárias prejudicam a freqüência à escola e o rendimento dos estudos. Mas os problemas de infra-estrutura, apesar de suas especificidades, têm algumas causas comuns. Uma delas é a limitação financeira dos governos, em todos os níveis. Outra é a penúria técnica e administrativa do setor público em grande número de municípios e de Estados.

O governo federal parece haver se convencido, depois de longa hesitação, da conveniência de envolver o setor privado nos investimentos em rodovias, ferrovias e portos. As telecomunicações só saíram do atraso depois da privatização dos serviços, na década passada. É preciso estender essa política, sem mais demora, ao saneamento básico. Os governos federal, estaduais e municipais devem preparar-se para avançar nessa direção. Se essa for a estratégia escolhida, será possível fazer muito mais do que os investimentos previstos no PAC. Será o caminho mais seguro para a universalização dos serviços de saneamento, condição indispensável para uma efetiva integração de milhões de pessoas na vida moderna. É uma questão não só de justiça, mas também de eficiência econômica. Saúde também é um fator de produtividade para a economia e de progresso para o indivíduo.