Título: Desafios para o FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Com um discurso a favor de reformas, o economista Dominique Strauss-Kahn, ex-ministro de Economia e Finanças da França, conseguiu apoio do Brasil e de outros latino-americanos para se eleger diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). A expectativa pode ser de inovação, mas o primeiro passo foi dado segundo o velho figurino. Com essa eleição, cumpriu-se mais uma vez o acordo informal estabelecido há seis décadas entre Estados Unidos e Europa. A presidência do Banco Mundial seria sempre de um americano. A chefia do Fundo, sempre de um europeu. Proposta pelo presidente Nicolas Sarkozy, a candidatura de Strauss-Kahn foi encampada pela União Européia e bem acolhida pela Casa Branca. Teria sido vitoriosa, quase certamente, mesmo sem apoio do Brasil e de alguns outros países, mas a nova gestão começaria num ambiente político muito menos propício.

Strauss-Kahn deverá enfrentar pelo menos três desafios muito importantes. É preciso encontrar um novo papel para o FMI na economia globalizada, num ambiente financeiro muito diferente daquele de tempos não muito distantes.

Durante muito tempo o Fundo se dedicou quase exclusivamente a orientar e financiar políticas de ajuste em economias sujeitas a graves desequilíbrios fiscais e cambiais e a promover a liberalização dos fluxos financeiros.

Ultrapassou essa função nos anos 80, quando ajudou a promover a renegociação da dívida externa de algumas dezenas de países quebrados, incluído o Brasil. Mas nunca exerceu um papel importante na coordenação de políticas e na defesa da estabilidade no mercado financeiro internacional.

A busca desse novo papel, com ênfase no monitoramento e na prevenção, ganhou destaque na pauta do FMI durante a gestão de Rodrigo de Rato, agora prestes a deixar o cargo. Com as crises dos anos 90, ficou evidente a urgência de se montar mecanismos de segurança para um mercado cada vez mais avançado tecnicamente e cada vez menos controlável pelas autoridades financeiras.

Em segundo lugar, o novo diretor-gerente deverá enfrentar o problema da redistribuição de poder na organização. Esse é um velho tema. Os países mais desenvolvidos detêm o comando político da instituição, distribuído basicamente de acordo com a participação de cada país, ou grupo de países, no capital do Fundo. Essa distribuição nem sempre é compatível com o tamanho das economias. Pequenos países europeus têm mais cotas - e mais poder - do que o México ou o Brasil, por exemplo. Uma pequena correção foi feita no ano passado, com uma distribuição especial de cotas à China, à Coréia, ao México e à Turquia. Os governos do Brasil e da Índia esbravejaram, mas sem resultado.

A mera redistribuição de cotas, no entanto, será insuficiente para uma efetiva recomposição do poder, disse Strauss-Kahn numa entrevista em Paris, na segunda-feira. Ele mencionou como exemplo o caso do Brasil: sua fatia no capital da instituição, hoje equivalente a 1,45%, poderá aumentar alguns décimos de porcentagem. Isso não afetará muito o poder de voto - 2,42% - do Brasil e dos oito países integrantes de seu grupo na diretoria executiva da instituição. Será preciso ir além da reforma de cotas, disse Strauss-Kahn, e estabelecer um sistema duplo de votos, menos dependente do peso financeiro de cada membro.

Será preciso, naturalmente, negociar essa reforma com os atuais donos do poder no FMI, a começar pelos Estados Unidos, detentores da maior cota (17,09%) e de poder de veto em relação a várias questões importantes. Alguns assuntos só se resolvem com pelo menos 85% dos votos - com a anuência, portanto, do governo americano.

Em terceiro lugar, Strauss-Kahn deverá preservar, com algumas adaptações, o papel de emprestador de última instância tradicionalmente exercido pelo FMI. Neste momento, poucos países precisam do apoio financeiro da instituição. Mas convém mantê-la preparada para intervir quando for necessário. Embora os críticos do Fundo não o percebam, é muito melhor poder recorrer a uma entidade oficial e multilateral, num momento de aperto, do que depender inteiramente do arbítrio dos bancos privados. Os banqueiros sabem disso. Cada passeata contra o FMI é um lance a favor deles.