Título: Nocaute de gene leva Prêmio Nobel
Autor: Amorim, Cristina
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2007, Vida&, p. A16

Técnica largamente usada `liga¿ ou `desliga¿ um gene de cada vez em camundongos e verifica relação com doenças

O Prêmio Nobel de Medicina de 2007 foi concedido ontem a três pesquisadores que desenvolveram uma das técnicas mais populares atualmente nos laboratórios de biologia de todo o mundo. Mario R. Capecchi, Oliver Smithies e sir Martin J. Evans estabeleceram o caminho que permite à ciência descobrir o papel de cada gene, em doenças - incluindo diabete e câncer - e no desenvolvimento de todo o corpo, da concepção à morte.

Mais informações sobre o Nobel

A história da criação dessa técnica, chamada de nocaute de genes, também abriu outro campo de estudos atualmente em evidência. Durante suas pesquisas, Evans, de 66 anos, foi a primeira pessoa a descobrir que, dentro do blastocisto, fase inicial do embrião, aquele amontoado de células pode se transformar em qualquer outro tipo.

Evans, hoje da Universidade Cardiff, encontrou as células-tronco embrionárias, foi o primeiro a extraí-las, cultivá-las em laboratório e descobrir que elas podem ser induzidas a formar qualquer tecido do corpo. ¿Foi ele quem começou tudo o que se fala hoje sobre células-tronco embrionárias humanas¿, diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo (USP).

Os três já haviam sido contemplados, em 2001, com o ¿Nobel da América¿, o Prêmio Albert Lasker de Pesquisa Médica Básica, e já faziam parte da lista de prováveis vencedores do prêmio máximo da ciência mundial. ¿Se você me perguntar se estou surpreso, a resposta é sim e não ao mesmo tempo¿, disse Smithies, de 82 anos, ao Estado. O cientista, um britânico naturalizado americano, hoje professor na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, dividirá com os outros dois um prêmio de aproximadamente R$ 2 milhões.

Capecchi, de 70 anos, disse que recebeu ¿o¿ telefonema, aquele que todo cientista sonha receber, às 3 horas. ¿A pessoa parecia muito séria, então minha primeira reação foi que deveria ser de verdade¿, contou a jornalistas nos Estados Unidos. Nascido na Itália e naturalizado americano, ele é professor na Universidade de Utah.

CONHECIMENTO

A pesquisa feita pelos três demorou pelo menos duas décadas para ser desenvolvida, em frentes diferentes - Evans com as células-tronco, Capecchi e Smithies na incorporação pelo genoma. A técnica do nocaute permite ¿ligar¿ ou ¿desligar¿ um gene de cada vez em camundongos. Dessa maneira, o pesquisador pode saber se ele tem relação com determinada doença ou não e como influencia qualquer função do corpo.

Ainda que seja aplicada somente em roedores, os genes estudados são normalmente análogos aos humanos. Por isso, foi rapidamente absorvida por todos os campos da biomedicina. O primeiro animal transgênico do gênero foi anunciado em 1989. Desde então, mais de 10 mil diferentes genes já foram manipulados por meio dessa técnica - o que representa quase metade do genoma completo do camundongo.

O nocaute de genes já ajudou, por exemplo, a determinar causas de má-formação congênita e diversos modelos animais de doenças humanas são estudados diariamente. Smithies também usou a ferramenta para estudar a fibrose cística e a talassemia, além de avançar em pesquisas sobre hipertensão e aterosclerose. ¿É particularmente gratificante ver Oliver Smithies recebendo essa láurea. Ele é desses pesquisadores que, no estilo de Francis Crick e Sidney Brenner, revolucionou várias áreas de atividade¿, afirma o geneticista Sergio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais.