Título: Brasil diz na OMC que, pelo bloco Mercosul, abre mão de Doha
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2007, Economia, p. B8

Mas, segundo o embaixador Hugueney, Itamaraty não quer que debate com países ricos chegue a esse ponto

Se o Brasil tiver de optar entre a Rodada Doha e o Mercosul, optará pelo bloco regional. O alerta foi dado ontem pelo embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Clodoaldo Hugueney, em uma forte mensagem política aos parceiros do País.

O Itamaraty quer que o Mercosul ganhe flexibilidades extras no setor industrial para manter certas áreas protegidas. Os europeus chegaram a acusar o Mercosul de nem mesmo ser uma união aduaneira. Americanos, japoneses e até centro-americanos, turcos e colombianos rejeitam a proposta de dar novas flexibilidades ao bloco.

'O Mercosul é prioridade absoluta para o Brasil, por isso a negociação tem de tornar compatível a liberalização multilateral com a integração regional. Não podemos forçar escolher entre participar amplamente da negociação de Doha e ao mesmo tempo provocar uma crise no Mercosul', disse o embaixador. 'Entre Doha e o Mercosul, o Brasil escolhe o Mercosul', completou, lembrando que o Itamaraty não quer chegar a esse ponto durante o debate. Segundo ele, o chanceler Celso Amorim deu essa mensagem ao diretor da OMC, Pascal Lamy.

O problema do Mercosul ocorre por causa da tarifa externa comum. Pelas negociações da OMC, países podem escolher um porcentual de setores para manter protegidos. O problema é que o bloco terá de chegar a uma lista única, já que aplica uma tarifa válida para os quatro países. Questionado por que esse tema surgiu seis anos após o início das negociações de Doha, o Brasil admitiu que só agora a redução de tarifas foi debatida em detalhe. 'Quando começamos a avaliar a situação com profundidade, vimos que havia incompatibilidade. O cobertor ficou curto', disse Hugueney.

O problema é que, ao criar uma lista única, nem todos os setores que o Brasil ou a Argentina querem manter sob proteção serão incluídos. A solução seria propor que uniões aduaneiras incluam uma lista maior de produtos, o que é rejeitado pelos países ricos, que querem a abertura dos mercados.

Na última sexta-feira, tanto os países ricos quanto alguns emergentes rejeitaram a proposta do Brasil de novas flexibilidades. Os europeus acreditam que as regras da OMC devem sempre prevalecer sobre acordos bilaterais ou regionais. O argumento do Mercosul, portanto, não justificaria a criação de benefício extra para o bloco.

Mas o Itamaraty insiste que não aceitará ficar sem essas flexibilidades, principalmente para os setores têxtil e químico. 'O Mercosul é um projeto político de integração regional e é uma prioridade absoluta. Por isso, as flexibilidades são fundamentais', afirmou Hugueney.

Apesar da insistência do Brasil, a proposta de dar flexibilidades ao Mercosul não tem um acordo nem mesmo dentro do bloco. O Itamaraty fará uma reunião com paraguaios e uruguaios no final da semana para tentar convencer os dois governos. Em Montevidéu, diplomatas não disfarçam o sentimento contrário à proposta. O Paraguai também deixa claro que, por enquanto, não apóia a idéia. Para Alberto Dumont, embaixador da Argentina, o Mercosul deve lutar pelas flexibilidades.

ATAQUE

Hoje, o Brasil fará um discurso forte no Conselho Geral da OMC alertando que a rodada está desequilibrada e que os temas industriais estão ganhando maior importância que a agricultura. O Brasil voltará a pedir flexibilidades para os países emergentes e ainda costura uma ampla declaração com outros 90 países em desenvolvimento para atacar a forma pela qual os países ricos conduzem o processo. 'Temos de relembrar que essa rodada existe para colocar a agricultura no centro do debate', afirmou um diplomata sul-americano.

A idéia da aliança entre os emergentes é garantir que uma mensagem política seja mostrada aos países ricos: eles não poderão exigir dos demais concessões que afetem o desenvolvimento. 'Quanto maior o nível de desenvolvimento de uma economia, maior deve ser o esforço nessa rodada', disse o embaixador da Venezuela na OMC, Oscar Carvallo.

Os países ricos querem que os emergentes cortem em pelo menos 66% suas tarifas de importação. Já um grupo de Brasil, África do Sul, Índia e Argentina alega que não pode aceitar um corte acima de 50%. Washington deixou claro que essa concessão não se justifica e que qualquer corte de subsídios terá um preço a ser cobrado.