Título: França está de olho no Leste europeu
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2007, Internacional, p. A14

A nova diplomacia do presidente Nicolas Sarkozy começa a se instalar. É audaciosa, imaginativa, um pouco iconoclasta. Vai no sentido oposto da política sistemática, insolente, adotada há cinqüenta anos pelo general Charles de Gaulle e que perdurou até o começo do ano com Jacques Chirac.

Chirac não gostava dos EUA, pelo menos os de George Bush. Sarkozy adora os EUA e seus dirigentes, e pretende assumir o lugar do ex-premiê britânico Tony Blair no papel de 'melhor amigo dos americanos'. Na Europa, também a abordagem muda totalmente. Basta Chirac ter demonstrado amizade por um líder europeu para Sarkozy colocar obstáculos a esse dirigente. A orientação é espetacular em relação à Europa do Leste. Na segunda-feira, Sarkozy recebeu no Eliseu, o presidente polonês Lech Kaczynski, chefe do partido de extrema-direita 'Direito e Justiça (PiS). Mas não é apenas a Polônia que Sarkozy quer afagar. É a Europa do Leste inteira.

Dias atrás, em visita a Sofia, na Bulgária, declarou-se curiosamente 'metade europeu do leste'. Uma alusão à seu pai, que era húngaro, mas que até agora era ignorado. A política e a abertura para a Europa do Leste explicam essa súbita paixão pelo pai. Chirac não escondia seu desprezo pelos países do leste. 'Eles perderam uma boa ocasião para se calar', afirmou, quando os poloneses tornaram público o seu atlantismo. Uma observação que deixou feridas, que hoje Sarkozy deseja curar. 'A França sempre estará do seu lado', disse na Bulgária.

Essa opção estrondosa em favor da Europa do Leste vem movimentando toda a diplomacia em Paris. Chirac admirava a Rússia, era 'amigo' de Putin e praticamente emudecia quando se tratava dos 'direitos humanos' na Chechênia. Sarkozy não tem essas delicadezas. Em Sofia, sua linguagem foi dura: 'A Rússia é um país que torna complicada a solução dos grandes problemas do mundo', disse, criticando a 'brutalidade' da política russa. E justamente ontem o Sarkozy iniciou uma visita de dois dias a Moscou . Veremos se usará a mesma linguagem dura na presença de Putin.

Ao contrário de Chirac, caloroso amigo da Alemanha, Sarkozy não mantém boas relações com Angela Merkel. A chanceler não o aprecia muito. Ela o considera um charlatão, que procura chamar atenção para si e está sempre se pavoneando. Além disso, ele costuma beijá-la nas duas faces, coloca a mão sobre seus ombros com afeição e Angela detesta isso. A imprensa chama-o de ' beijoqueiro'.

No caso da Rússia, contudo, Merkel e Sarkozy seguem uma linha bastante paralela. Enquanto Schrõder e Chirac adulavam Putin, Merkel e Sarkozy o temem como se fosse a peste. Juntos, pregam a solidariedade da UE para com os antigos membros da ex-União Soviética, ou seja, os países do Leste. Mas Merkel não é tão livre como Sarkozy nessa abordagem. De fato, as relações entre Alemanha e Polônia são nervosas, tensas, em razão de lembranças atrozes da 2ª Guerra. Sarkozy, porém, tem o caminho livre na direção dos países do Leste, sobretudo da Polônia. E quer tirar proveito disso.