Título: Falta de bebês preocupa a Europa
Autor: Chamie, Joseph
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2007, Internacional, p. A18

Com redução de 2 milhões de pessoas por ano, população será 10% menor em 2050; grupo em idade produtiva cairá 20%

A queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e a expansão da União Européia são conhecidos fatos históricos do final do século 20. Outro evento tão significativo quanto esses passou despercebido: depois de séculos de crescimento, a população da Europa está diminuindo. O impacto dessa tendência será sentido não só pela sociedade européia, mas também globalmente. A necessidade de repor a força de trabalho terá conseqüências a longo prazo para as relações da UE com seus vizinhos do Oriente Médio e do norte da África.

A população da Europa atingiu um pico de 730 milhões de habitantes e entrou em declínio. Espera-se que nas próximas décadas o ritmo da diminuição chegue a 2 milhões de pessoas a menos por ano. Assim, a Europa deverá ter, em 2050, cerca de 664 milhões de habitantes, 10% menos do que hoje. Com isso, a fatia européia da população mundial vai diminuir de 11% para 7% em 2050.

Os 664 milhões supõem um influxo médio de 800 mil imigrantes por ano e algum aumento no índice de fertilidade nas próximas décadas. Se a imigração para a Europa acabasse, seria pior: em 2050, a população teria 50 milhões de habitantes a menos do que o projetado. Se a imigração parasse e os índices de fecundidade não mudassem, a população ficaria abaixo de 600 milhões. Embora a população da Europa esteja em declínio, existem variações consideráveis no continente. Na Rússia, Ucrânia, Itália, Polônia, Romênia, Alemanha, Bielo-Rússia e Bulgária projeta-se uma diminuição substancial. Já Grã-Bretanha, França, Irlanda, Suécia, Noruega, Holanda, Albânia e Islândia terão crescimento, mas graças à imigração.

Desta vez, o declínio demográfico não é em razão de praga, fome, guerra ou alguma calamidade, mas resultado da opção dos casais terem menos filhos que o necessário para garantir a reposição populacional. À exceção da Albânia, todas as nações da Europa têm baixos índices de fecundidade. Na República Checa, Alemanha, Grécia, Itália, Polônia, Rússia, Espanha e Ucrânia, os índices estão mais próximos de um do que de dois filhos por casal.

Dois terços dos países europeus consideram os atuais índices de fecundidade baixos demais. Metade deles adotou políticas para elevá-los. Segurança no emprego, licença-maternidade e paternidade, creches, ajuda em dinheiro, jornada de trabalho flexível são incentivos considerados pelos governos.

Será que esses programas elevarão os índices até o nível de reposição? A fecundidade européia provavelmente aumentará um pouco em relação aos baixos índices de hoje. No entanto, a maioria dos países não elevará a fertilidade até o nível de reposição no curto prazo.

Além de encolher, a população continuará envelhecendo, o que preocupa quase todos as nações do continente. Em 1950, a idade média européia era de 30 anos. Hoje é de 40. A Europa é a região de população mais velha do mundo - 10 anos mais velha que a da América Latina e Ásia, e 20 anos mais velha que a da África. Em 2050, sua idade média será de 47 anos. Isso afetará a força de trabalho. Até 2050, a população entre 25 e 49 anos diminuirá em 75 milhões, enquanto a população a partir de 65 anos aumentará em 70 milhões. Sem imigração, o declínio do grupo em idade produtiva é impressionante. A população entre 25 e 49 anos diminuirá em 100 milhões - 20% menos que o nível atual.

Embora a Europa receba muitos imigrantes, o número atual - entrada de 1 milhão por ano - não será suficiente para compensar o baixo índice de natalidade. O continente precisará dobrar a imigração anual para deter o declínio populacional, triplicá-la para manter o tamanho da população em idade produtiva e quintuplicá-la para preservar a atual proporção entre idosos e trabalhadores. Além disso, a composição étnica dos grupos de imigrantes difere das populações que recebem os novos habitantes. No passado, a maioria deles vinha de países do sul da Europa, como Itália, Espanha e Portugal. Hoje, muitos vêm da África e da Ásia, causando mudança cultural nas comunidades anfitriãs. A presença de grande número de imigrantes ilegais, muitos sem escolaridade e qualificação, complica ainda mais a situação e provoca debates sobre integridade cultural, identidade nacional e integração.

Afinal, o declínio populacional e o envelhecimento da Europa são uma promessa ou um perigo? Depende. Vários governos estão armados com as conseqüências econômicas, sociais e culturais da diminuição populacional. Alguns países - como a Rússia, cuja população diminuirá em 20%, ou 30 milhões, até 2050 - vêem a baixa natalidade como uma crise que põe em perigo a sobrevivência da nação.

Com a perspectiva do declínio demográfico e do rápido envelhecimento, muitos governos ajustam suas políticas de imigração para aumentar o tamanho e a qualidade de sua força de trabalho, o que reduz as pressões fiscais sobre a aposentadoria e a saúde. Por outro lado, algumas pessoas vêem o declínio populacional da Europa como algo bem-vindo. Grande parte do público sente que o continente está superlotado e prefere menos densidade e menos imigração, especialmente a ilegal. Além disso, muitos acreditam que o declínio populacional reduzirá os efeitos nocivos do aquecimento global. Os ambientalistas, principalmente, questionam a crença de que uma população em perpétuo crescimento é necessária para manter a vitalidade econômica e o bem-estar social.

Promessa ou perigo, restam poucas dúvidas de que as nações da Europa entraram em território demográfico desconhecido. O declínio populacional em tal escala não tem paralelo histórico. Como esse fato ocorre em uma época em que os países relutam em abrir as portas à imigração, o desafio dos governos é maior. O declínio populacional não pode mais ser deixado apenas nas mãos de economistas, pois está chegando rapidamente ao topo da agenda política.