Título: Monges denunciam torturas e massacres
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2007, Internacional, p. A19

Encontros como esse são perigosos, mas os dissidentes insistiram. ¿É o único jeito de mostrar que a propaganda do governo é uma mentira¿, disse o intermediário. Levamos dois dias para organizar a entrevista com um dos líderes dos protestos em Rangum. Finalmente, tudo foi acertado. Após uma viagem tortuosa de uma hora pelas ruas da cidade, meu táxi entrou no pátio escuro de uma casa de madeira.

Um homem magro me aguardava na chegada. Com roupas civis e cabeça raspada, apresentou-se como líder da Aliança de Todos os Monges de Mianmar, grupo que liderou as recentes manifestações contra a junta militar. ¿Pode me chamar de U Min¿, disse. São 20 horas em Rangum e não temos muito tempo - o toque de recolher começa às 22 horas. ¿As manifestações não acabaram¿, afirmou, explicando que, em Sittwe, oeste do país, a resistência não foi esmagada. ¿Mas não vai durar muito tempo. Mandamos os jovens monges de volta para seus povoados.¿

Min disse que os monges estão sendo torturados e há noticias de vários corpos de religiosos encontrados em rios no norte do país. ¿São centenas de cadáveres. Nunca saberemos o número exato.¿ Os militares disseram ter dado ordens para não deixar vítimas nas ruas e queimar os mortos imediatamente.

No entanto, o que mais chocou Min foi um incidente ocorrido duas semanas atrás. Ele estava com um grupo de monges que orava no pagode Shwedagon, templo que é símbolo do país. ¿Os militares atiraram contra nós. Foi a mesma coisa que atirarem contra padres na Basílica de São Pedro.¿ Segundo ele, muitos caíram mortos.

Min contou que muitos monges fugiram para a Tailândia. Ele, contudo, pretende ficar no país por acreditar que as rebeliões recomeçarão. ¿A população está faminta e nunca vai perdoar os assassinos.¿ Há notícias de um brutal massacre em Okkalapa, bairro pobre de Rangum. Houve resistência quando o Exército tentou entrar no mosteiro local. Sem nada a perder, os moradores foram às ruas para defender os monges, mas acabaram sendo mortos pelos soldados. Dentro do mosteiro, os militares chacinaram os religiosos.

¿Os monges ficaram em fila e os soldados esmagaram suas cabeças contra a parede¿, disse um morador. Diplomatas americanos que visitaram vários mosteiros de Rangum nos últimos dias verificaram que não há mais monges em pelo menos 15. De dia, os soldados marcham pelos locais sagrados do budismo, o que é considerado sacrilégio. À noite, uma milícia da junta faz o trabalho sujo, patrulhando a periferia. Em Rangum, o governo abriu três campos de prisioneiros. Para um deles foram levados 800 monges.