Título: Aviões da Varig estão de volta a Paris. Sem champanhe e caviar
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2007, Economia, p. B14

Avião é desconfortável, mas passageiros elogiam atendimento e ficam satisfeitos com recuperação da empresa

A Varig está renascendo. Os tripulantes repetem a frase e os passageiros tentam acreditar, quando o surrado Boeing 767-300 decola de São Paulo para Roma, via Paris, às 23h58 do dia 5 de outubro, uma sexta-feira movimentada em Guarulhos, rigorosamente no horário. Os assentos são desconfortáveis, o sistema de som falha, o equipamento de entretenimento - música e cinema - não funciona, mas o chefe da equipe de comissários, Alberto Unger, 28 anos de empresa, promete um vôo tranqüilo, com jantar em seguida e café duas horas antes da chegada. Serão 11 horas e 10 minutos de viagem até o Aeroporto Charles de Gaulle, tempo bom e temperatura agradável.

Há 184 pessoas a bordo, sem contar os tripulantes - 4 pilotos e 12 comissários. O comandante master Alayon Machado se reveza na cabine com os comandantes Frateschi, Gallina e Luz, os dois últimos vindos da Gol Transportes Aéreos, a dona da VRG Linhas Aéreas, novo nome da Varig, para treinamento nesse tipo de avião e reconhecimento de rota. Pioneira entre as empresas brasileiras - ela foi fundada em 7 de maio de 1927, no Rio Grande do Sul -, a Varig está retomando seus vôos para Europa, Estados Unidos e América Latina, onde concorreu, nos últimos 40 anos, com as maiores companhias aéreas do mundo.

Com exceção de Frankfurt, Buenos Aires, Bogotá e Caracas, todas as rotas internacionais foram interrompidas entre 2002 e 2006, quando a crise financeira da Varig chegou ao auge. ¿A prioridade agora é cumprir os prazos para restabelecimento dos vôos¿, anuncia em São Paulo o diretor comercial Lincoln Amano, preocupado com os problemas enfrentados a bordo. Os dois Boeings 767 que fazem Paris e Roma serão devolvidos à proprietária, uma empresa de leasing portuguesa, depois que chegarem 11 aviões novos, sendo 6 Boeings 767-300 e 5 Boeings 737-800, para a reestruturação da malha.

¿Os assentos são muito apertados, mas o serviço de bordo é excelente, a começar pela acolhida que a gente recebe aqui¿, elogia a gaúcha Rejane Rosa de Oliveira, de Caxias do Sul, que viaja para a Itália em companhia do marido, o empresário Bruno Segalla Filho. O radialista Miguel Lopez e a arquiteta Lúcia, que embarcaram com as filhas Júlia e Ana, para passear em Paris, reforçam os elogios, lembrando que ¿a Varig sempre foi destaque em serviço de bordo¿. Gracinda, mãe de Lúcia, ajuda as netas numa fileira de três assentos da classe econômica, ao pedir o jantar.

Do outro lado do corredor, o engenheiro Sérgio Carvalho, um carioca residente em Salvador que voa desde os anos 70 na Varig, confere cada detalhe para checar se a qualidade continua a mesma. O cardápio promete: frango empanado ou tortelline ao molho vermelho com purê de batata, cenoura sauté e torta de chocolate. Para beber, vinho tinto chileno e vinho branco da Califórnia, uísque escocês, cerveja, sucos e refrigerantes. Na classe executiva, onde a passagem custa quatro vezes mais, a variedade é maior: filé, peru, massa e salmão, com vinhos franceses e italianos.

O médico Luiz Edgar Tollini, diretor geral da Central de Medicamentos de Alto Custo do governo de Goiás, que viaja sempre a serviço e agora tirou uns dias de folga para passear na Itália com a mulher, Flávia Dayrell, fez questão de escolher a Varig, quando soube da retomada dos vôos para Roma. ¿Estou torcendo para que essa empresa volte a ser o que era antes da crise.¿ Satisfeito com a acolhida da tripulação, ele elogia a atenção dos comissários da classe executiva e a transparência do comandante Machado.

¿Falando em português e em inglês, o comandante se apressou a tranqüilizar os passageiros, explicando que o avião balançou de repente porque entrou na turbulência de uma aeronave que cruzou nossa rota, um incidente que não estava previsto¿, disse Tollini, apoiando uma iniciativa ousada que, provavelmente, não teria um piloto de outra companhia. ¿O pessoal da Varig tem muita experiência, é só ver o trabalho do Alberto Unger, porque não é fácil achar um comissário com 28 anos de casa¿, emendou.

Outros dois passageiros, Luiz Carlos Louzano e Eduardo Leduc, diretores da multinacional Basf, ficaram satisfeitos com o serviço de bordo, especialmente a gentileza dos comissários, mas se queixaram da falta de conforto na classe executiva. ¿O avião está desgastado e essas poltronas já são ultrapassadas¿, observou Louzano, depois do café da manhã - salada de frutas, chá, café com leite, sucos, queijos e presunto com pães, bolos e tortas.

¿Gestão Gol, qualidade Varig¿, insiste o diretor comercial Lincoln Amano, garantindo, em resposta a inevitáveis brincadeiras, que a sofisticação da pioneira não será trocada por cereais a bordo. Os serviços de qualidade continuarão para quem quiser pagar por eles, embora não se pense mais em servir caviar regado a champagne nem mesmo na primeira classe, como se fazia no passado. Aliás, seguindo uma tendência mundial de mercado, a Varig aboliu a primeira classe, para ficar só com a executiva e a econômica.

Acabou também o luxo das lojas suntuosas, como era a agência da Avenida Champs Elysées. Em Paris, haverá só um escritório administrativo e um balcão de atendimento no aeroporto, onde os funcionários se multiplicam para atender os passageiros. ¿Aqui, a gente faz de tudo¿, disse a gerente comercial Manuela Guerra, ajudando no check-in para São Paulo. Quando o sistema eletrônico caiu, ela percorreu a fila de espera para explicar a cada passageiro que a culpa não era da Varig, mas dos computadores dos terminais de Roma e Paris, que não se entendiam.

Com a confusão, o economista Carlos Young e sua mulher, a jornalista Priscila Steffen, perderam a localização dos assentos que haviam reservado para se sentarem juntos, mas não reclamaram, pois acabaram indo para a classe executiva por cortesia da Varig. O vôo, que já saiu atrasado de Roma, decolou com mais de uma hora de atraso de Paris. Estava lotado, peso máximo, com 241 pessoas a bordo. Mais de 150 eram argentinos que estavam retidos na Itália, por causa de uma greve na Aerolíneas que deveria transportá-los a Buenos Aires.

De volta da Itália, onde jogou no Torino e no Pescara nos anos 80, o ex-lateral Júnior - ou Leovegildo Gama Junior, que foi também treinador do Flamengo e agora é comentarista de futebol - optou pela Varig, para saber se a qualidade continuava a mesma. Embarcou irritado com a informação de que teria de fazer conexão em Congonhas para chegar ao Rio, mas acabou elogiando a cortesia e a simpatia da tripulação, quando sua mulher, Heloísa, não conseguiu o prato de entrada, salmão defumado, que havia pedido: a comissária Ana Klein abriu mão de sua bandeja para atendê-la. O cardápio é variado, mas chega a bordo em quantidades individuais bem controladas.

O jantar Paris-São Paulo serviu bife de filé, pato, massa e peixe na executiva e três opções na econômica: tortellini de queijo mascarpone, beef bourguignone e frango au cresson. E, mais uma vez, vinhos chileno, italiano, francês e americano.