Título: Um Ocidente mais fraco
Autor: Ferguson, Niall
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2007, Economia, p. B18

À medida que as potências em desenvolvimento compram cada vez mais a dívida americana e européia, os líderes do Ocidente vêem sua influência declinar.

As ¿disputas acadêmicas são mais brutais que nossas lutas no mundo real¿, famosa observação de Henry Kissinger, ¿porque as coisas que estão em jogo são muito pequenas¿. Observando os estranhos rituais pelos quais as democracias ocidentais escolhem seus líderes, começo a me perguntar se isso também não seria válido para o mundo real.

Por ¿mundo real¿, quero dizer o mundo político, o mundo das eleições presidenciais e das conferências partidárias. Houve uma época em que as apostas eram realmente altas. No apogeu de Kissinger, o presidente dos Estados Unidos era de fato um potentado. Do mesmo modo que seu homólogo, o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, ele tinha o poder para matar dezenas de milhões de pessoas ao toque de um botão.

Até o primeiro-ministro britânico teve um real poder na década de 80: o de enviar uma frota de Portsmouth para a outra extremidade da Terra, para expulsar os invasores das Ilhas Malvinas.

Os líderes da última geração também tinham um real poder econômico. Há pouco mais de 25 anos, o presidente da França tinha o poder para nacionalizar os maiores bancos do país.

Não que os políticos de hoje sejam inferiores aos seus predecessores.

A sua situação é que mudou.

Nem todos vêem isso. Nem todos querem ver isso. A existência da mídia de notícias, em particular, depende dessa noção de que os políticos são poderosos. Os políticos precisam da mídia para tornar públicas as suas atividades.

Ninguém entende melhor isso do que o novo presidente francês, Nicolas Sarkozy, cuja vida transformou-se numa representação em benefício do Paris Match.

Fomos informados que Sarkozy está considerando um realinhamento fundamental da política externa francesa. Talvez, depois de mais de 40 anos de um parcial afastamento, ele leve a França de volta para a estrutura de comando integrada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Talvez, depois de mais de 50 anos de união, ele afrouxe os laços entre França e Alemanha.

Para algumas pessoas isso tudo é terrivelmente excitante. Falam pretensiosamente de uma nova aproximação franco-americana e o fim da distensão franco-alemã. E questionam se o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, não teria sido muito frio quando se reuniu com o presidente americano, George W. Bush, em julho.

Isso poderia ser o fim do ¿relacionamento especial?¿ Ou Brown estaria certo em hesitar, já que Bush deixa o cargo em 16 meses? Outrora questões como essas eram válidas.

De meados do século 17 até meados do século 20, as relações entre Grã-Bretanha e França eram realmente de vital importância para a estabilidade do mundo. Não fosse o conflito entre França e Inglaterra, os Estados Unidos poderiam ter sido sufocados no seu nascimento. Não fosse a cooperação anglo-francesa ,o Reich alemão poderia ter conquistado a Europa.

França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, cada um desses países tiveram sua era de hegemonia. Hoje, porém, todos eles pertencem ao clube dos países desenvolvidos devedores, com déficits de conta corrente combinados de US$ 970 bilhões no ano passado.

A esse clube pertencem também a Austrália, Grécia, Islândia, Irlanda, Itália, Nova Zelândia, Portugal e Espanha.

À exceção da Islândia, parece uma lista de antigos impérios, encabeçada pelos ex-membros do Império Britânico (salvo o Canadá, país rico em recursos energéticos).

Coletivamente, esses devedores desenvolvidos precisaram tomar emprestado, no ano passado, US$ 1,3 trilhão. Do outro lado dessa grande equação global está o clube dos exportadores emergentes. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mais de 40% das necessidades de financiamento dos países desenvolvidos devedores foram atendidas pela China, Rússia e Oriente Médio.

O problema para esses países deficitários é que que sua população acha que o mundo deve a eles a sua subsistência. Seus políticos encorajam essa suposição fazendo uma série de promessas mais ou menos incompatíveis: que os gastos com a saúde e educação sempre aumentarão; que a tributação direta nunca aumentará; e que o patrimônio no qual os eleitores investiram, se endividando, nunca perderá valor.

A única maneira de cumprir essas promessas é aumentar o volume de papel impresso: notas promissórias, letras, bônus, ações e o resto. Os exportadores emergentes adquirem esses títulos. O resultado pode ser uma transferência progressiva da posse financeira do Ocidente para o Oriente.

Esse processo está para entrar numa nova fase com a China lançando seu próprio Fundo Soberano que se juntará àqueles operados por similares do Kuwait, Abu Dabi e Cingapura. De acordo com a Morgan Stanley, esses fundos controlam cerca de US$2,6 trilhões. Em 15 anos seus ativos podem atingir US$27 trilhões, o que lhes dará o controle de quase 10% do total dos ativos financeiros globais.

Assim, a grande pergunta não é se Sarkozy ou Brown vão se entender bem com Bush, mas o que o Fundo Soberano da China vai adquirir quando começar a sua febre de investimentos. Em comparação com esses novos soberanos, os soberanos tradicionais do mundo político começam a parecer tão poderosos quanto, bem, os professores.

E qual a notícia realmente ruim para esses presidentes e primeiros-ministros? Não só as apostas estão cada vez menores, mas vocês, meus caros, não têm nem mesmo o lugar garantido.