Título: Clima - a Conferência de Bali
Autor: Goldemberg, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2007, Espaço Aberto, p. A2

Atribui-se a Stalin a declaração de que conflitos não se resolvem em conferências internacionais, mas nos campos de batalha. Com sua usual frieza e notória brutalidade, Stalin capturou bem o que se passou no passado em inúmeros conclaves. O mesmo parece estar ocorrendo hoje com as conferências internacionais sobre mudanças climáticas.

O campo de batalha são as atividades dos milhares de cientistas congregados no Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), a ação de organizações não-governamentais e a corajosa atitude assumida por vários estadistas e até por governadores de Estados americanos, como o da Califórnia.

Nos campos de batalha estão vencendo os cientistas que esclareceram quais são as causas do aumento da temperatura da Terra e das mudanças climáticas decorrentes. Nas conferências internacionais estão vencendo, até agora, os governos dos Estados Unidos, da Austrália e até da China, entre outros, que resistem a adotar medidas sérias para reduzir as emissões dos gases que provocam o aquecimento da Terra - principalmente o dióxido de carbono originado na queima de combustíveis fósseis. Se o fazem por ignorância, imobilismo ou influenciados pelos fortes interesses dos setores de petróleo, gás e carvão, é difícil dizer, mas o fato é que têm resistido a reduzir essas emissões com o argumento surrado de que diminuir o consumo de combustíveis fósseis comprometeria o seu crescimento econômico e o seu desenvolvimento.

A verdade é que o desenvolvimento pode ser alcançado adotando as melhores tecnologias existentes, evitando, assim, repetir a trajetória seguida no passado pelos países industrializados, que levou à crise atual na área ambiental, principalmente o aquecimento da Terra.

Países em desenvolvimento podem ¿saltar na frente¿, beneficiando-se dos avanços tecnológicos realizados no mundo todo. Um bom exemplo é o que ocorreu com os telefones celulares, que foram adotados em massa no Brasil, em Bangladesh e em muitos países africanos que nem têm uma rede de telefones fixos, a qual exige grandes investimentos em infra-estrutura. Outro é o uso do álcool da cana-de-açúcar com substituto da gasolina, em que o Brasil está na liderança mundial. O etanol substitui com vantagem a gasolina, tanto do ponto de vista ambiental como econômico.

E o crescimento não precisa ser obtido com tecnologias ineficientes, como ainda está ocorrendo na China, onde a expansão da produção de eletricidade, com o uso do carvão, está sendo feita com usinas de baixa eficiência. Ações na área de tecnologia poderiam reduzir as emissões desse setor em 20% ou 30%.

O mesmo se dá com o Brasil, que com um pouco mais de esforço para reduzir o desmatamento na Amazônia - que é irracional em longo prazo, sob qualquer ponto de vista - daria um exemplo ao mundo e poderia cumprir quaisquer metas de redução de emissões, o que embaraçaria tanto os Estados Unidos como a China, que não aceitam nem metas nem calendários para reduzir as deles.

A posição, quase ideológica, do Itamaraty de se opor à adoção de metas para reduzir as emissões brasileiras não se justifica, porque a adoção de metas é o que o governo faz o tempo todo, como qualquer administrador sabe muito bem.

Na recente conferência em Washington, para a qual foram convidados os 15 maiores emissores dos gases do efeito estufa, o presidente George W. Bush apelou aos países para que voluntariamente reduzam as suas emissões. Isso já foi tentado desde 1992, quando a Convenção do Clima foi adotada no Rio de Janeiro, com resultados muito decepcionantes, uma vez que as emissões de quase todos os países (inclusive dos Estados Unidos) continuam a crescer. O presidente americano repetiu basicamente a sua posição de que novas tecnologias resolveriam o problema sem a adoção de metas e confiando nas forças do mercado.

A ênfase dada às novas tecnologias talvez esconda até interesses comerciais de vendê-las aos países em desenvolvimento, quando é notório que já existem tecnologias suficientes para promover reduções consideráveis de emissões, como está fazendo o Estado da Califórnia, nos próprios Estados Unidos, bem como muitos países da Europa.

Curiosamente, o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, que é agora um dos representantes especiais do secretário-geral das Nações Unidas nas negociações do clima, declarou em entrevista recente que detectava uma mudança sutil na política do Itamaraty em relação à aceitação de ¿metas e calendários¿ para a redução de emissões pelo Brasil, uma vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se refere freqüentemente a reduções quantitativas no desmatamento da Amazônia. Isso até agora, contudo, não se verificou, e para o Brasil, portanto, a conferência de Washington foi uma oportunidade perdida.

A proposta do presidente dos Estados Unidos não traz nada de novo e Bush foi ironizado até pelo representante da Inglaterra, que comparou tal proposta à substituição de limites de velocidade obrigatórios nas estradas - que são objeto de multas e outras penalidades caso não sejam obedecidos - por ¿limites voluntários¿...

Na prática, ao se recusar a aceitar metas para redução de emissões, o Brasil está apoiando a posição da China e dos Estados Unidos, que, juntos, são responsáveis por quase 50% das emissões. Esta posição não atende, a nosso ver, aos interesses do Brasil e precisaria mudar. Uma nova oportunidade de revê-la está na conferência dos países membros da Convenção do Clima que se realizará em Bali, na Indonésia, em dezembro.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (USP)