Título: As ameaças de Mantega
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Como otimismo ainda não paga imposto, os representantes do governo saíram animados da reunião com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Marco Maciel (DEM-PE), para discutir o andamento do projeto de emenda constitucional que prorroga a vigência da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União. Eles garantem que o projeto será aprovado pela CCJ ainda em outubro. Assim, até 20 de dezembro haverá tempo para o plenário votá-lo em dois turnos. Se o Senado aprovar, sem alteração, o texto que passou pela Câmara, o projeto será promulgado. Assim, não haverá interrupção da cobrança do tributo.

A situação, porém, não é tão simples. Maciel ainda não designou formalmente a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) para relatora do projeto da CCJ. Mas a futura relatora já anunciou que não concluirá seu trabalho antes de um debate amplo e para isso utilizará todo o prazo regimental de que dispõe, de 30 dias.

A despeito de seu otimismo explícito, o ministro Guido Mantega, que participou da reunião com Maciel, não parece tão confiante e voltou a fazer ameaças. Se a prorrogação não for aprovada até 20 de dezembro, diz ele, haverá quebra de arrecadação, o que exigirá o aumento de outros tributos - ou seja, se não retirar recursos dos contribuintes com o imposto do cheque, o governo tirará com outros impostos.

Na pior hipótese para o governo, o Senado pode simplesmente rejeitar o projeto de prorrogação da CPMF, cuja receita, neste ano, deve ficar entre R$ 38 bilhões e R$ 40 bilhões. O ministro da Fazenda chegou a se referir a uma quebra de receita de R$ 18 bilhões. Deve ter tomado como base uma hipótese que é considerada a mais dura para o governo: o Senado protelará os debates sobre a prorrogação e só a aprovará em março do ano que vem, com mudança de alíquota (atualmente de 0,38%). Até a aprovação, o governo terá deixado de arrecadar o tributo por três meses. Mas, como terá ocorrido suspensão na cobrança da CPMF, sua reinstituição exigirá o cumprimento da regra da noventena, pela qual a cobrança só pode ser feita três meses depois de aprovada a nova alíquota, ou seja, no segundo semestre de 2008.

A ameaça do ministro soa como bravata. Não será tão simples como ele sugere aumentar a cobrança de outros tributos no montante suficiente para cobrir a eventual quebra da receita da CPMF. O governo tem autonomia para aumentar alíquotas em apenas quatro casos: Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Se aumentar o Imposto de Importação, criará problemas com os parceiros do Mercosul e com a OMC, além de provocar a alta dos preços dos produtos importados.

Se elevar o Imposto de Exportação, encarecerá os produtos brasileiros no mercado mundial, o que terá efeito particularmente importante nas vendas de produtos agroindustriais. Já no caso do IPI, o ganho do governo seria de apenas um terço do aumento de arrecadação que for obtido, pois o restante é transferido para Estados e municípios. Por fim, no caso do IOF, o resultado seria o aumento do custo dos financiamentos.

E se ocorrer a hipótese que o governo considera a pior de todas - e que por isso mesmo é a melhor para os contribuintes -, isto é, a rejeição pura e simples da proposta de prorrogação da CPMF? O governo diz que não poderia evitar o crescimento do déficit, mesmo com o comprometimento de vários de seus programas, inclusive na área social. Simplesmente não é verdade. Se agir com um pouco mais de responsabilidade na gestão dos recursos dos contribuintes e parar de aumentar seus gastos como vem fazendo, o governo pode prescindir da CPMF.

Até agosto, a arrecadação tributária da União cresceu duas vezes mais do que a produção e alcançou R$ 381,48 bilhões. Esse valor é R$ 37,33 bilhões maior do que o arrecadado nos oito primeiros meses de 2006, descontada a inflação. Ou seja, é maior do que a receita da CPMF no período. Em resumo, mesmo sem a CPMF, a arrecadação tributária da União é maior do que a do ano passado.