Título: Murici, terra do clã Calheiros, teve R$ 3,6 milhões em emendas
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2007, Nacional, p. A4

Cidade é a sexta maior beneficiada, em Alagoas, com 76 convênios com o governo federal.

O senador Renan Calheiros e seu irmão, o deputado federal Olavo Calheiros, ambos do PMDB de Alagoas, conseguiram garantir, entre 2003 e 2006, o envio de R$ 3,6 milhões dos cofres da União para a Prefeitura de Murici, por meio de suas emendas individuais. Isso, sem contar as emendas de bancada e de partido.

Terra natal dos Calheiros, esta pequena cidade, a 42 quilômetros de Maceió, foi uma das mais beneficiadas, no Estado, por convênios com a União. Com 22 mil habitantes e ocupando 1,53% da área total do Estado, ela foi a sexta mais bem tratada, com um total de 76 convênios com o governo federal desde 1996.

Um desses convênios é o 1.197/04, assinado com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Os recursos saíram de uma das emendas do presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e beneficiaram uma empresa fantasma de seu ex-assessor José Albino Gonçalves de Freitas.

Conforme revelou o Estado ontem, com exclusividade, a KSI Consultoria e Construções Ltda. recebeu R$ 280 mil para construir 28 casas na cidade. O contrato foi assinado pelo filho do senador, o prefeito de Murici, Renan Calheiros Filho (PMDB), em 2005.

Apesar de não haver ilegalidade no envio de recursos por meio de emendas para as bases políticas dos parlamentares, as emendas dos irmãos Calheiros estão concentradas no município em que sua família detém o poder há mais de uma década. Antes de o filho do senador assumir o governo, o prefeito, por dois mandatos, foi seu irmão Remi Calheiros.

Em 2004, por exemplo, das emendas individuais de Renan que tiveram empenho (a verba foi assegurada no Orçamento da União), 40% eram destinadas a Murici. Foram, no total, R$ 1,9 milhão destinados por essas emendas, com recursos que partiam prioritariamente dos Ministérios da Saúde, das Cidades e da Integração Nacional.

Os limites entre o público e o privado se confundem na utilização desse dinheiro. Um exemplo desse fenômeno ocorreu entre 2004 e 2005, quando mais de 30 moradores da antiga usina Bititinga - atual fazenda Boa Vista, que pertence a Olavo Calheiros - foram removidos de suas casas e transferidos para a cidade. Eles receberam como indenização casas populares construídas com recursos da Caixa Econômica Federal. Alguns receberam ainda uma ajuda de R$ 50, outros de R$ 200, e outros apenas a casa. Foram 12 residências construídas juntas, em uma das ruas da cidade - com recursos da CEF -, para abrigar os moradores desalojados da fazenda de Olavo.

Além da Boa Vista, os Calheiros têm outras propriedades rurais na região, algumas suspeitas de grilagem. Em agosto, a Corregedoria da Justiça de Alagoas decretou intervenção no cartório de registro de imóveis de Murici, por suspeitar de sua participação nessas operações. A tabeliã Maria de Lourdes Ferreira Moura, que tem a concessão do cartório desde 1973, é investigada em dois processos administrativos. Os casos ainda continuam sob investigação.