Título: Ditadores derrubados podem ficar sem paraíso
Autor: Romero, Simon
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2007, Internacional, p. A11

Extradição de Fujimori mostra que tradição de asilo está acabando.

No ano passado, a morte discreta do general Romeo Lucas García em seu exílio na Venezuela chamou a atenção de poucas pessoas fora da Guatemala, onde ele foi presidente num período feroz de guerra civil. A Espanha tentou obter sua extradição em 2005 sob acusações de violação de direitos humanos, mas não conseguiu. Ele teve uma morte tranqüila numa terra estrangeira, aos 81 anos. Um desfecho semelhante para uma vida de brutalidade ou corrupção foi garantido, durante muito tempo, a ditadores latino-americanos exilados. Até agora. A tradição de asilo garantido para líderes caídos está sendo atacada por toda a região, e a surpreendente extradição de Alberto Fujimori, no mês passado, do Chile para o Peru poderia ser o ponto de virada.

Argentina, Bolívia, Equador, Haiti e Venezuela discutem maneiras de trazer antigos líderes do exílio para enfrentar acusações de corrupção ou violação de direitos humanos, e especialistas jurídicos acham que vários desses esforços serão fortalecidos pela decisão da Suprema Corte do Chile que fez com que Fujimori fosse enviado a uma prisão no Peru para aguardar julgamento. ¿Sempre houve tensões entre os esforços da Justiça e a realpolitik em casos de extradição, mas agora parece que a Justiça está ganhando terreno¿, disse M. Cherif Bassiouni, um especialista em extradição na Escola de Direito da Universidade DePaul, em Chicago.

A decisão sobre Fujimori se articula com um ramo da teoria jurídica que ganhou força nos anos 90, com uma sentença britânica que colocou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet em prisão domiciliar na Grã-Bretanha. Ele estava visitando o país, não vivendo lá no exílio, e a Câmara dos Lordes decidiu que ele poderia ser julgado na Espanha por acusações de tortura quando a Espanha o quisesse.

Pinochet obteve finalmente o direito de retornar ao Chile - onde, em um novo ambiente político, viveu seus derradeiros anos lutando para esquivar-se da prisão. Ele morreu em dezembro de 2006 no Chile, mas no início deste mês sua família ficou exposta a um cerco legal, acusada de viver do dinheiro que ele havia desviado para o exterior durante sua ditadura.

Por sua vez, começaram a ser extraditados líderes como Jean Kambanda, de Ruanda, e Slobodan Milosevic, da Sérvia, para enfrentar tribunais internacionais por acusações de genocídio. Essas ações estabeleceram precedentes claros de que algumas atrocidades contra civis violaram não só as leis de um país, mas também os padrões internacionais de direitos humanos. Esses precedentes encorajaram governos a insistir em que seus antigos líderes acusados de despotismo ou roubalheira fossem devolvidos para julgamento, e deixaram outros países relutantes em continuar premiando líderes caídos em desgraça com uma vida confortável.

¿Devagar e de maneira desigual, mas indubitavelmente, os Judiciários da região se tornaram mais profissionais¿, disse Cynthia McClintock, especialista em América Latina da Universidade George Washington, em Washington.

A mudança de ambiente está atingindo a América Latina com particular intensidade, porque o direito de asilo político a ex-chefes de Estado na região já foi visto como sagrado. Na prática, as coisas funcionavam em geral assim: um caudilho, ou ditador, acumulava tamanho poder ou oprimia opositores de tal modo que ficava ameaçado de revolta ou deposição. Nesse ponto, ele fugia para o exterior - ou para uma embaixada amiga cujo governo estava disposto a aceitar automaticamente seu novo hóspede.

Com grande freqüência, os EUA intervinham. Seus representantes costuravam um acordo que entregaria o governante destituído a seu país de exílio com um mínimo de revolta, a fim de evitar uma crise política ainda pior e de criar uma aparência de estabilidade econômica e social. Alguns países, como o Panamá, chegaram a especializar-se em receber ditadores.

As instituições no Chile saíram fortalecidas da batalha pela extradição de Pinochet, apesar de ele nunca ter ido para a prisão. Os estudiosos traçam uma clara conexão entre essa batalha e a decisão do Chile de extraditar Fujimori. Antes, o sistema judiciário relutava em extraditar qualquer pessoa procurada por outro país. ¿Fujimori, como Pinochet, já foi considerado invencível¿, disse Daniel Wilkinson, vice-diretor para as Américas da organização Human Rights Watch. ¿Agora, a definição de invencibilidade foi abalada.¿

Tradução de Celso Mauro Paciornik