Título: Nos bastidores da OMC, países travam guerra
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2007, Economia, p. B1

Brasil, EUA, China e Europa tentam garantir seus interesses no último rascunho do acordo.

Governos travam uma batalha nos bastidores da Organização Mundial do Comércio (OMC) para influenciar o que deve ser o último rascunho de um acordo, a ser publicado em duas semanas. Nos próximos dias, Brasil, Estados Unidos, Europa, China e vários outros governos tentarão convencer os mediadores do processo a incluir suas posições no texto final. Para o Itamaraty, se a posição dos países emergentes não for ouvida, um acordo estará ameaçado.

Nos últimos dois meses, desde que o primeiro rascunho de um acordo foi produzido, os governos tentaram chegar a uma aproximação de suas posições. Mas a realidade é que as distâncias em vários temas, como subsídios, abertura de mercados e liberalização no setor industrial, parecem cada vez maiores. Agora, cada governo tenta influenciar a revisão do acordo para garantir que seus interesses sejam preservados.

Nesta semana, o encontro de cúpula em Pretória entre Brasil, Índia e África do Sul ainda é visto por muitos na OMC como central nesse processo. ¿A Rodada Doha será debatida porque, se não concluirmos o processo, nós, do Sul, perderemos¿, disse Jerry Matjila, vice-diretor da chancelaria sul-africana. Os americanos já mandaram recados ao Itamaraty para que tente convencer os dois outros países emergentes a flexibilizar suas posições no capítulo industrial das negociações e, assim, permitir que o novo texto leve a um acordo final.

Na proposta apresentada pela OMC, os países emergentes deveriam reduzir em até 66% suas tarifas de importação para bens industriais. Segundo Roberto Azevedo, subsecretário de Comércio do Itamaraty, se tal proposta for mantida, mais da metade das linhas tarifárias brasileiras serão afetadas. Brasil, África do Sul, Índia e Argentina querem que o corte seja de no máximo 50%. Além disso, querem garantir flexibilidades extras para as economias de uniões aduaneiras, como o Mercosul. O problema é que os americanos e europeus dizem que não poderão aceitar a proposta e não farão concessões no setor agrícola sem garantias de maior acesso aos bens industriais das nações emergentes.

O Brasil acusa os países ricos de reverter a lógica do processo. ¿A rodada foi lançada em 2001 para liberalizar o setor agrícola¿, afirma um diplomata brasileiro. O Itamaraty quer que os americanos se comprometam a reduzir seus subsídios agrícolas para um teto de US$ 12,5 bilhões. Pela proposta da OMC, o teto ficaria entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões.

Os americanos já aceitaram negociar dentro dessa margem. Mas não deram indicação de como isso se daria. Já os europeus dizem que não reduzirão barreiras a produtos como açúcar e carnes até que saibam qual será a política de subsídios nos Estados Unidos. Diante do impasse, os países emergentes não vêem estímulo para fazer concessões.

Por trás dos discursos oficiais, a OMC ainda vê uma verdadeira campanha de desinformação e manipulação da opinião pública por parte de todos os envolvidos. No início da semana passada, o Brasil e quase 90 países emergentes apresentaram uma proposta na OMC insistindo que não haverá abertura dos mercados industriais enquanto os ganhos do setor agrícola não estiverem claros. Os americanos reagiram, indicando que seria o início do fim da Rodada Doha e que a culpa do fracasso, portanto, seria dos países emergentes. O Brasil decidiu contra-atacar e dava sinais de que, se a pressão continuar, não haverá acordo.

¿Estão tentando repassar a culpa¿, disse o subsecretário-geral para Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo. Para livrar-se da pressão, o governo desmistifica a idéia de que a Casa Branca deu sinais de concessões no setor agrícola. ¿Isso tudo não passa de propaganda oficial.¿