Título: Só Renan não sabia disso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2007, Notas & Infoamações, p. A3
A história das lealdades políticas caboclas está cheia de episódios muito mais para a comédia do que para a tragédia - apesar de algumas deslealdades parecerem trágicas para quem as sofre. É velha a conversa de que em festa de político derrotado não se vai (ou, se se vai, não se deve ser visto) nem para comer o melhor pernil. Quando o político está ¿por cima¿ atrai desconhecidos que lhe eram íntimos desde o berçário, mas se cai, descobre ¿amigos¿ que lhe tinham mágoas desde o jardim da infância. Neste sentido, não é nem um pouco original o comportamento dos integrantes da tropa de choque do senador Renan Calheiros, comparando-se o que eram ontem, quando faziam a defesa apaixonada de seu chefe, e o que dizem hoje, com Renan fora da presidência do Senado - na qual comandou sua desastrada defesa nos múltiplos processos que sofre por quebra de decoro.
Ninguém há de se esquecer da veemência - e até caberia melhor a palavra virulência - com que o senador Almeida Lima (PMDB-SE) defendeu Renan Calheiros desde o primeiro dia e principalmente no Conselho de Ética. Pelo tom estentórico, acompanhado de esgares que assemelhavam sintomas de apoplexia, pela agressividade lançada aos que o contestavam - como o senador Tasso Jereissati, que exagerou ao fazer insinuações sobre os seus trejeitos, o que quase levou senadores da República às vias de fato -, enfim, por seu comportamento intransigente e radicalizado de fiel escudeiro do chefe Renan, tudo indicava que o aguerrido defensor do senador alagoano com ele estaria perfilado até o fim.
Qual não foi a surpresa quando Almeida Lima, além de não se considerar um ¿órfão¿ do presidente licenciado do Senado, fez questão de reavivar episódios em que estavam em lados opostos. Disse ele: ¿Não me sinto órfão. Eu não morro de amores por Renan Calheiros, mas sim pelo Estado de Direito. Já fui adversário do Renan na tribuna do Senado, no caso José Dirceu, um ano antes de ele cair.¿ Realmente, parece que o senador sergipano morre tanto de amores pelo Estado de Direito que por ele quase chega ao ataque apoplético!
Agora, quanto a ser adversário de alguém ¿um ano antes de ele cair¿ talvez o senador Lima tenha aprendido ser mais seguro passar para o lado contrário só (logo) depois da queda... Mas o fiel escudeiro transfugido foi além, jurando que na disputa pela presidência da Casa, em fevereiro, votou em José Agripino Maia (DEM-RN). ¿Já votei no José Agripino e nunca dependi de Renan para nada¿ - disse ele. Imagina se dependesse - dizemos nós.
Para ser coerente daqui em diante, o nobre senador, que é relator de um dos processos no Conselho de Ética, é capaz de pedir a condenação do réu...
No rol de ex-amigos de Renan Calheiros figuram ainda os senadores Leomar Quintanilha (PMDB-TO), presidente do Conselho de Ética, Wellington Salgado (PMDB-MG) e Gilvan Borges (PMDB-AP). Leomar, que antes facilitara muitas chicanas defensivas em favor de Renan - mas tivera que recuar delas algumas vezes, por forte pressão -, se já dera mostras de sentir-se suficientemente confortável em ¿dar as cartas¿ no Conselho, parece ter resolvido pôr as barbas de molho, calçando as sandálias da humildade e passando a tratar os colegas divergentes com especial cordialidade. O senador Wellington, único que se mantém fiel ao mestre, diante das acusações sofridas de evasão fiscal e outras irregularidades, prepara-se para ser solidário a Renan até numa eventual cassação, prometendo encerrar sua carreira política em dezembro.
Já o senador Gilvan Borges, que prometeu manter a amizade com Renan Calheiros, apesar de seu afastamento da presidência do Senado, fez questão de enfatizar que a ¿defesa¿ que continuará fazendo, de Renan, ficará nos limites do PMDB. ¿Sou amigo do Renan independentemente do cargo. Vou ajudá-lo na manutenção do mandato, mas essa articulação é mais de líder para líder. Os colegas vêm em seguida e eu tenho de ficar dentro do limite do PMDB.¿ Vamos traduzir isso? É assim: só vou defender o Renan em reunião partidária, fechada. Fora isso nem pensar. Não sou de guardar fósforo queimado - pelo menos em público.
Parodiando o falecido ditador português Oliveira Salazar, ¿em política, quem parece é¿. Só Renan não sabia disso.