Título: Povo fica longe do Salão do Povo
Autor: Barella, José Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2007, Internacional, p. A15

Chineses comuns são mantidos a 1 quilômetro da sede do congresso

Além de definir a nova liderança e os rumos da China, o congresso do Partido Comunista é um evento social à altura de sua importância política. Pequim, uma megalópole de 15 milhões de habitantes e trânsito complicado a qualquer hora do dia, vive seus dias de Hollywood durante os sete dias de reuniões dos 2.217 delegados, que incluem líderes do partido, autoridades militares, prefeitos de grandes cidades e governadores de todas as províncias chinesas. Como na cerimônia de entrega do Oscar, o charme começa na chegada - pelo menos para quem desembarca nas limusines reluzentes na frente do Grande Salão do Povo, na Praça da Paz Celestial. A principal diferença da premiação em Los Angeles é que não há fotógrafos pedindo pose na entrada nem curiosos em busca de autógrafos, pois o povo que dá nome ao palácio é mantido do outro lado da praça, a quase um quilômetro.

O figurino-padrão dos delegados do congresso inclui um sorriso no rosto, cabelo invariavelmente tingido de preto, terno escuro, gravata impecável, crachá vermelho e cigarro na mão. As delegadas usam tailleur sóbrio e carregam no batom. Os participantes não escondem o orgulho ao chegar, mas lá dentro a excitação dá lugar ao tédio. Os delegados são divididos em grupos de discussão, encarregados de debater um relatório sobre o avanço desde o último congresso de temas específicos. Cada grupo ocupa um salão - todos decorados com poltronas confortáveis alinhadas de forma retangular, de modo que todos os delegados vejam os colegas de frente.

O Grande Salão do Povo é uma obra tipicamente socialista, de grandiosidade sem limites. As salas, com pé-direito alto e piso de mármore, são iluminadas por lustres de cristal que cobrem boa parte do teto. Tudo é desproporcionalmente grande: portas, escadarias, vasos e altura do carpete. Nas paredes, obras belíssimas em madeira, nanquim, aço e óleo.

A arquitetura ajuda a tornar as reuniões menos monótonas. Os textos contêm muitos números. A linguagem carrega no ufanismo quando relata resultados positivos. Nas críticas, as referências são discretas.

Após a leitura, começam os debates - e eles são extensos, sempre sob um clima de cordialidade e respeito. A pausa para o almoço é a senha para a confraternização entre os delegados. Na saída (o almoço é fora do complexo), a hierarquia do partido pode ser nitidamente reconhecida. Os delegados recém-nomeados são levados a ônibus fretados. Os figurões aguardam, na porta, a chegada de carros com motorista. Os mais importantes são abordados por outros delegados, para trocar cumprimentos, tirar uma foto ou travar uma rápida conversa ao pé de ouvido. A saída pode ser triunfal - num Audi A6 zerinho, com banco de couro e vidro fumê - ou apenas discreta, como o delegado de terno puído que caminhou até o estacionamento, ligou seu Santana e foi embora, incógnito.