Título: Preocupação é a politização da Justiça
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2007, Nacional, p. A8

Fábio Wanderley Reis : cientista político e professor da UFMG

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um crítico da interferência direta do Judiciário - no caso os tribunais superiores como o STF e o TSE - na política, a exemplo da decisão sobre a fidelidade partidária, a queda da cláusula de barreira e a verticalização. Para Reis, a excessiva ¿judicialização¿ da vida política pode conduzir a outro extremo: a ¿politização¿ do Judiciário, quando juízes demonstram parcialidade de um lado ou outro, trazendo a insegurança jurídica a todo o processo político.

Então há, na visão do senhor, uma excessiva judicialização da política?

Não há dúvida que sim. Os conflitos têm sido levados à Justiça com mais freqüência do que o necessário. Minha preocupação é que esta situação pode levar a uma politização da Justiça, ou seja, quando os próprios juízes se tornam parciais. A exposição excessiva dos juízes à TV e à opinião pública interfere no teor das decisões, que têm sido pronunciadas de forma inconsistente, mesmo do ponto de vista jurídico.

Por que inconsistentes?

Na própria sessão do STF em que se discutiu a fidelidade partidária, muitos juízes lembraram que a jurisprudência recente do próprio tribunal havia sido contrária ao princípio da punição dos parlamentares que trocassem de partido. Na prática, o STF, que é a corte suprema de Justiça, acatou uma interpretação da Constituição do TSE, um tribunal inferior. Não podemos ver isso sem preocupação.

Há, ao que parece, um apoio da sociedade à instituição da fidelidade partidária, o que não ocorreu, por exemplo, com a queda da cláusula de barreira, por obra do próprio STF.

A derrubada da cláusula foi uma clara demonstração da disposição legislativa do STF, em detrimento de outro Poder. O curioso é que a decisão do fim da cláusula, que permite a existência de legendas de aluguel, sem ideário político ou ideológico nem voto, vai contra a fidelidade partidária, já que não é possível ser fiel a partidos que nem existem.

A fragilidade e a omissão do Legislativo colaboram neste processo?

O Congresso tem abdicado de suas responsabilidades. Não se discutiu a fundo a proposta de reforma política que tinha várias propostas positivas para o aperfeiçoamento democrático do País. A reforma não recebeu da sociedade, do Legislativo e da imprensa um décimo da atenção dedicada ao caso Renan. Há, no entanto, algumas iniciativas que podem trazer mudanças ao processo, como a instituição do financiamento público de campanhas em listas fechadas, a fidelidade partidária - desta vez definida pela instância adequada - e a cláusula de barreira.

A aprovação da PEC da fidelidade partidária a toque de caixa pelo Senado corresponderia a uma mudança em sentido contrário ao atual?

Esta ação de afogadilho me surpreendeu. Trata-se, claramente, da reação do Legislativo ao Judiciário, embora continue o quadro de confusão institucional. Não acredito que passe com tanta facilidade na Câmara e ela se constitui em mais um fator de instabilidade jurídica.