Título: O Judiciário se viu forçado a tomar decisão
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2007, Nacional, p. A8

Carlos Melo : cientista político e professor do Ibmec-SP

Para o professor do Ibmec-SP e cientista político Carlos Melo, a interferência do STF e TSE no processo político não é a fórmula ideal num quadro de divisão dos Poderes, mas não havia outra saída para o imbróglio da infidelidade partidária. ¿Este Congresso, recém-eleito logo após o que todo mundo dizia ser `o pior da história do Legislativo¿, já rejeitou uma proposta de reforma política e em nenhum momento deu sinal de que faria algo para enfrentar os graves problemas políticos. Assim, o Judiciário se viu forçado a tomar uma decisão e o fez, de forma meritória, ajudando a moralizar a política brasileira¿, afirmou. Assim, para ele, a instituição da fidelidade partidária via Supremo, embora não seja a forma ideal, enquadra-se nas regras da legalidade.

O senhor concorda com a interferência do Judiciário no Legislativo?

Acho que temos de separar as duas coisas. A decisão sobre a fidelidade é boa e ajuda a moralizar a política. O meio pelo qual foi feito, ou seja, via Judiciário quando devia ser pelo Legislativo, não é ideal, mas a alternativa seria ficar olhando e esperando, em uma postura conformista, que o Congresso tomasse alguma medida neste sentido, o que não ocorreria. Quando diziam que a Legislatura anterior era a pior da história, eu sempre lembrava que a próxima provavelmente seria igual, já que não houve mudança nos partidos, na sua filosofia, nem nos métodos. Por que, afinal de contas, deveríamos esperar que este Congresso fosse melhor que o anterior?

E por que, em sua visão, o Judiciário tem interferido tanto na atividade legislativa?

O Congresso tem refugado na discussão sobre a reforma política - já sepultou uma proposta neste sentido com apenas um ano de legislatura - e não cumpre o seu papel constitucional. A oposição representada pelo PSDB e DEM, principal interessada na fidelidade partidária, jamais conseguiria promover alguma mudança no quadro, por ser minoria. Daí, recorreu ao STF, a única saída para ter algum resultado. A ação do STF não integra a discussão política pura, mas é legal, não tem traços de autoritarismo nem significa uma violência ao sistema político e está prevista na Constituição.

E qual a razão de o Congresso não ter feito a reforma ou discutido a fidelidade?

Esta é uma questão do auto-interesse dos parlamentares, que têm fortes razões para manter estas imperfeições. Eles foram eleitos por este sistema, que os beneficia e não viram razão para mudá-lo. A infidelidade interessa aos parlamentares e ao Executivo, beneficiado por ela, por possibilitar a cooptação. No entanto, embora possa gozar vantagens momentâneas, o próprio governo pode vir a ter prejuízos futuros com a infidelidade, que se volta contra ele, que permanece refém do Legislativo.

Como o senhor viu a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da infidelidade de autoria do senador Marco Maciel (DEM-PE) pelo Senado?

Os senadores estão legislando sobre uma decisão já dada. Eles querem criar uma situação na qual se possa aduzir que a decisão não foi somente do STF. Não digo que a PEC seja oportunista, mas sua aprovação cheira a reação contra o Judiciário.