Título: País recupera infra-estrutura, mas pobreza ainda é desafio
Autor: LaFraniere, Sharon
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2007, Nacional, p. A13

Maior parte dos angolanos convive com a miséria, apesar da riqueza das reservas de petróleo e diamantes

Há dois anos, somente bravos ou desesperados tentariam a viagem de 270 quilômetros por terra desta capital repleta de lixo à capital da província setentrional de Uige. Era um martírio de 12 horas, por estrada esburacada de estourar os pneus e acostamentos que despencavam em precipícios.

Agora, graças à crescente produção de petróleo de Angola, a viagem toma a metade desse tempo. E isso não é tudo que está sendo transformado: por toda Angola, centenas de trabalhadores estão reconstruindo estradas, aeroportos, pontes e ferrovias que foram devastadas durante quase três décadas de guerra civil.

Para a maioria dos angolanos, o ronco das motoniveladoras e escavadeiras é a primeira evidência tangível de um dividendo da riqueza de petróleo e diamantes de seu país, que vem sendo explorada com crescente seriedade agora, após cinco anos de paz. Muitos acham que já não era sem tempo.

Angola está jorrando petróleo, bombeando 2 bilhões de barris por dia, mais do que qualquer outro país africano, exceto a Nigéria. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento vertiginoso de 24% para a economia angolana este ano - um dos mais fortes do mundo. O governo está arrecadando duas vezes e meia mais do que fazia apenas três anos atrás.

Mas, por muitos indicadores, os angolanos continuam tão pobres como sempre. A taxa de pobreza é objeto de debates: o governo garante que houve uma queda de 12% nos últimos cinco anos. Analistas do centro de pesquisa da Universidade Católica de Angola dizem que dois em cada três angolanos ainda vivem com US$ 2,00 ou menos por dia, o mesmo índice de 2002. Mas ninguém contesta o fato de que a maioria dos angolanos suporta condições de vida estarrecedoras, taxas de mortalidade infantil imensas, água ruim, analfabetismo e uma série de outros males.

No ano passado, a ONU classificou Angola como o 17º país menos desenvolvido do mundo. Numa pesquisa de opinião realizada em dezembro, 6 em cada 10 angolanos disseram que sua situação econômica não estava melhor agora do que há cinco anos.

Aguinaldo Jaime, vice-primeiro-ministro do país, disse que Angola captou empréstimos entre U$ 8 bilhões e U$ 9 bilhões da China desde 2004, trocando garantias de fornecimento de petróleo por obras de reconstrução. Outros, como o Banco Mundial, estimam os empréstimos chineses em U$ 12 bilhões.

Reconstruir a malha de rodovias e ferrovias do país, disse Jaime, ajuda a dar um impulso inicial nos setores agrícola e comercial e distribuir a riqueza para além de uma pequena elite.

¿A pergunta que muitas pessoas fazem é: se a economia está crescendo tão depressa, quando a população começará a sentir seus benefícios?¿, observou Jaime numa palestra recente. Ele próprio respondeu: ¿Preciso dizer que isso leva tempo.¿ Os críticos do governo sustentam que o progresso seria mais rápido se os funcionários públicos não estivessem ocupados em se enriquecer.

Em 2003, o jornal Semanário Angolense publicou uma lista das pessoas mais ricas de Angola. Doze delas eram funcionários do governo; cinco, ex-funcionários.

SHOPPING

A organização Transparência Internacional continua classificando o país como a 10ª nação mais corrupta do mundo. Muitos angolanos tomam como referência a observação de que as pessoas que fazem compras no novo shopping de luxo de Luanda são funcionários públicos ou seus amigos. O gerente de uma revendedora de carros que abastece funcionários do governo disse que só encomendou os carros de luxo mais caros. ¿Eles querem ser os primeiros no último modelo¿, explicou.

NÚMEROS

2 bilhões de barris por dia é a produção de petróleo de Angola

2 em cada 3 angolanos vivem com no máximo US$ 2 por dia

10ª nação mais corrupta do mundo, segundo a Transparência