Título: Hu ataca corrupção e burocracia
Autor: Barella, José Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2007, Internacional, p. A12

Em congresso do PC, presidente chinês declara guerra a organismos governamentais ineficazes e ao desperdício

Em seu discurso na abertura do 17º Congresso do Partido Comunista chinês o presidente Hu Jintao reconheceu a necessidade de combater a corrupção e a burocracia na administração do país. ¿Apesar de nossas conquistas, precisamos estar conscientes de que ainda não satisfizemos a expectativa do povo¿, afirmou, citando ¿órgãos governamentais fracos, burocracia excessiva, extravagância, desperdício e corrupção de um número reduzido de quadros do partido¿. Nos últimos anos, 8.310 filiados ao PC foram punidos por aceitar subornos, embora o número de envolvidos em casos de corrupção seja muito maior.

As declarações de Hu, feitas ontem no Grande Salão do Povo, em Pequim, serviram para confirmar o que há muito já se sabia: a China prosseguirá nos próximos cinco anos apostando no modelo que reúne desenvolvimento econômico e centralização política nas mãos da liderança do PC. Foi com essa fórmula que o país duplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos quatro anos, período no qual teve um crescimento médio de 10% - o dobro da média mundial.

¿Vamos continuar trabalhando para quadruplicar a renda per capita até 2020 e completar a transição para uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos¿, disse o presidente chinês, exibindo com orgulho várias estatísticas do fantástico avanço econômico do país.

Por meio de expressões enigmáticas, como ¿desenvolvimento pela visão científica¿ e ¿estímulo à construção de uma sociedade harmoniosa¿, Hu alinhavou como será a política econômica: concentrada em esfriar o superaquecimento da economia, com investimento do Estado para reduzir a desigualdade social entre os centros urbanos e a área rural, e a poluição ambiental - problemas mais citados em seu discurso.

Vários analistas especializados no mercado financeiro asiático, os únicos dispostos ontem a comentar o pronunciamento, afirmaram que já se sabia que o governo chinês dificilmente iria alterar sua política macroeconômica. As questões mais preocupantes, porém, como o aumento da inflação, a redução do superávit comercial, a subvalorização do yuan (a moeda chinesa) e os ajustes estruturais da economia passaram ao largo do discurso do presidente.

Embora tenha usado a palavra ¿democracia¿ (minzhu, em chinês) 60 vezes ao longo de seu pronunciamento de duas horas e meia, o máximo que Hu acenou em termos de abertura foi o estímulo à ¿democracia intrapartidária¿ - entendido como uma descentralização interna no partido na tomada de decisões.

Em nenhum momento prometeu eleições livres e diretas. Ao contrário: nos últimos dias, circularam em Pequim vários rumores sobre uma onda de prisões de dissidentes. Denúncias nesse sentido foram feitas na sexta-feira pelo ativista de direitos humanos Hu Jia. Em entrevista ao jornal South China Morning Post, de Hong Kong, Hu Jia disse que o governo ¿está fazendo 80% do trabalho agora para ter de fazer apenas 20% no ano que vem¿, quando Pequim hospedará as Olimpíadas de 2008. Curiosamente, alguns sites de jornais americanos, como do The New York Times e do Washington Post, ficaram fora do ar quando Hu lia seu discurso.

ACORDO POLÍTICO

O pronunciamento de Hu também deixou clara a existência de algum tipo de arranjo político entre as duas principais facções do partido para evitar uma divisão de conseqüências econômicas desastrosas para o país. Hu lidera uma ala composta de dirigentes tradicionais e ligados à burocracia partidária, que rejeita qualquer tipo de abertura política com medo de perder as rédeas da economia e, conseqüentemente, do poder. A outra ala reúne uma geração mais jovem - formada em grande parte por filhos de ex-dirigentes conhecidos como os ¿príncipes de Xangai¿ - que prega uma política econômica ainda mais agressiva. Nos últimos anos, alguns integrantes desse grupo (incluindo o prefeito de Xangai, Chen Liangyuy) foram presos e condenados por corrupção.

Se confirmado, o acerto será fundamental para desatar o nó da sucessão de Hu - o ponto alto da agenda do encontro, que vai até segunda-feira em sessões a portas fechadas. O congresso do PC é realizado a cada cinco anos. Embora as diretrizes aprovadas sejam apenas consultivas, acabam se convertendo em política do governo para os cinco anos seguintes. O encontro ganha importância pela dança de cadeiras na hierarquia do partido. Os 2.217 delegados vão escolher os 350 membros do Comitê Central do partido que, por sua vez, elegerão os 22 integrantes do Politburo do Comitê Central. Desses, nove serão nomeados para formar o Comitê Permanente do Politburo - o verdadeiro núcleo do poder, responsável pela tomada de decisões.

Enquanto Hu era ovacionado no Grande Salão do Povo, um palácio suntuoso encravado na Praça da Paz Celestial, os chineses aparentemente seguiam sua rotina como se fosse um dia qualquer. Mas o clima de tensão era evidente no ar, principalmente nas proximidades da praça. Enquanto centenas de policiais tentavam fazer o trânsito fluir - algo impossível em Pequim, onde os congestionamentos só perdem em intensidade para o som das buzinas, que soam toda hora e de forma histérica -, e os vagões do metrô circulavam superlotados, as três estações da praça estavam vazias.

Nem mesmo a curiosidade levou os moradores da cidade a dar uma espiadinha na praça. Essa distância entre o povo e seus representantes diz mais sobre o futuro da China do que discursos como o de Hu.