Título: Acordo para reforma da UE revitaliza o bloco
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2007, Internacional, p. A30
Tratado de Lisboa derruba exigência de unanimidade nas decisões, pondo fim a dois anos de crise institucional
Chefes de Estado e de governo dos 27 países membros da União Européia aprovaram no início da madrugada de ontem o Tratado de Lisboa, um conjunto de normas que ampliam a democracia interna, a capacidade de governança e a autonomia da política externa do maior bloco econômico e político do mundo. Homologado pelos líderes nacionais, o texto traz 90% do conteúdo da Constituição Européia, rejeitada após o ¿não¿ de franceses e holandeses nos referendos de 2005. O tratado destrava a UE, liberando-a da exigência de unanimidade nas votações e dando-lhe uma presidência estável, um Parlamento poderoso e um representante para Relações Exteriores.
A aprovação foi obtida durante a Cúpula de Lisboa, que teve início na quinta-feira. O acordo foi possível quando o bloco decidiu ceder a pressões da Grã-Bretanha, da Itália, da Polônia e da Bulgária, que reivindicavam alterações em pontos de menor importância do texto - os italianos, por exemplo, pleitearam e obtiveram uma cadeira a mais no Parlamento. Na prática, a conclusão do acordo, cuja assinatura ocorrerá em 13 de dezembro, representa o desbloqueio administrativo da UE. ¿A Europa não está mais em crise institucional¿, comemorou José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia.
Desde 2005, quando a opinião pública se mobilizou contra a Constituição, o bloco vivia uma crise causada pela ingovernabilidade e pela ausência de líderes claros. A opção para tornar viável o acordo foi eliminar os simbolismos que apontassem para o ¿sonho europeu¿, o de uma federação de Estados. As referências a hino, bandeira e moeda foram apagadas - um reforço à idéia de soberania dos países. Também foi suprimida a expressão ¿concorrência livre¿, decisiva para o ¿não¿ no referendo francês. Em seu lugar, adicionou-se a frase ¿A União contribui para a proteção de seus cidadãos¿.
Por outro lado, as propostas de reformas institucionais foram mantidas. O bloco terá um presidente com mandato estável de dois anos e meio (atualmente, a presidência muda de mãos a cada seis meses e é ocupada por um chefe de Estado ou governo). O texto também reduz o número de temas cuja decisão precisa de apoio unânime dos países membros. Pelas novas regras, as decisões poderão ser tomadas por maioria qualificada, com 55% dos votos dos países, desde que representem 65% da população da UE. ¿O bloco sai da paralisia e da introspecção. Pensávamos demais na Europa e muito pouco no papel que queremos ter no mundo globalizado¿, avaliou Olivier Louis, pesquisador do Instituto Francês de Relações Internacionais, de Paris.
O Tratado de Lisboa também cria o cargo de alto representante para Relações Exteriores, um eufemismo para a palavra ¿ministro¿. Seu poder diplomático, contudo, ainda será limitado, já que as decisões complexas terão de receber aval unânime. ¿A aprovação do tratado aprimora a democracia interna e concede mais autonomia nas relações exteriores¿, afirma o coordenador do Centro de Estudos Europeus de Bruxelas, o italiano Mario Telo. ¿É o tratado constitucional, menos os símbolos. A substância é absolutamente a mesma.¿
Em Lisboa, o acordo foi celebrado como uma vitória da diplomacia portuguesa. Embora o ¿minitratado europeu¿ tenha sido uma bandeira do presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi na gestão de José Sócrates como presidente do Conselho Europeu e de Barroso como presidente da Comissão Européia que a negociação chegou ao fim.
¿A diplomacia portuguesa mostrou flexibilidade para derrubar os entraves e obter ganhos. A rigor, 90% da proposta de Constituição foi mantida¿, lembrou Bruno Reis, coordenador do Programa Europeu do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa.
Antes de entrar em vigor (o que está previsto para 2009), o tratado terá de ser homologado pelos países membros. Os riscos de novo fracasso são menores. Dos 27 países, 25 submeterão o texto à aprovação do Parlamento. Só na Irlanda está definida a realização de um plebiscito. Na Grã-Bretanha, grupos ¿eurocéticos¿ ainda pressionam por um referendo, algo que o governo de Gordon Brown tenta evitar.