Título: Concessões rodoviárias - o mundo gira...
Autor: Barat, Josef
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2007, Economia, p. B2

Editorial recente deste jornal chamou a atenção para a impropriedade do debate sobre os valores de pedágio das novas e velhas concessões de rodovias. O tema merece uma reflexão mais ampla. O período 1980-1995 foi marcado pela grave crise financeira do setor público e por constantes ameaças de hiperinflação. Os investimentos públicos federais caíram drasticamente, acarretando a deterioração das infra-estruturas, principalmente as de logística e de transporte. Nestas, os investimentos da União caíram de 2,2% do PIB, em 1975, para 0,5%, em 1985, e 0,1%, em 1990. O Plano Real trouxe uma recuperação, com 0,6% do PIB em 1998, declinando, porém, para 0,4% em 2004. Na malha rodoviária federal, a média de investimentos anuais (em dólares constantes) caiu de US$ 1,7 bilhão, no período 1974-1978, para um mínimo de US$ 258 milhões em 1990-1994. Em 2002-2004, a média anual foi de US$ 493 milhões.

A exploração de rodovias por meio de concessões surgiu como alternativa à carência de recursos públicos. As infra-estruturas em geral - e, em particular, a de transporte - demandavam recursos vultosos que o País não mais dispunha: 1) por não poder se valer do ¿imposto inflacionário¿; 2) pela relativa inflexibilidade das receitas fiscais; e 3) pela gestão mais cautelosa da dívida externa. Precisava-se dar sustentação ao crescimento e aumentar as exportações, com infra-estruturas eficientes, assim como atender às demandas sociais. Numa economia mais exposta à globalização, tornou-se mais difícil dar conta simultaneamente das duas funções. As concessões permitiriam liberar parte dos recursos fiscais aplicados nas infra-estruturas e destiná-los à melhoria dos serviços essenciais.

Tal mudança pressupôs o aporte de recursos privados para suprir parte das responsabilidades de governo. Nos transportes, a atração maior foi pela operação e manutenção de ativos existentes, e não pela expansão da oferta, por causa do elevado grau de riscos e incertezas. Nas concessões de rodovias, as diversas modelagens adotadas em vários países apresentaram freqüentes contradições entre objetivos, oscilando entre: 1) maximizar receita por meio da outorga; 2) maximizar exigências de investimento; ou 3) minimizar tarifas para os usuários. Houve sucessos e fracassos em todos os modelos. Nas primeiras concessões federais se optou por melhorias, restaurações, duplicações parciais, manutenção e conservação dos trechos rodoviários que já haviam sido objeto de pedágio.

Até o recente leilão, o alcance das concessões federais era limitado: dos 58 mil km de rodovias federais pavimentadas, 4,5 mil km (7,8%) foram concedidos, aí incluídos 3 mil km de rodovias delegadas ao Paraná e ao Rio Grande do Sul. Após quase dez anos, com os 2,6 mil km agora concedidos, chega-se a 12% dessa malha. Numa visão otimista, mas em horizonte ainda indefinido, se pode chegar a 24% do total, considerando-se o interesse pela manutenção, onde os volumes de tráfego são menos atraentes. Por outro lado, considerando as concessões federais e estaduais realizadas no País, quem mais avançou foi São Paulo, com 3,5 mil km, ou seja, 36,2% da extensão total concedida (9,7 mil km). Seguem-se Paraná (25,9%) e Rio Grande do Sul (17,3%), incluindo as delegações da União. Até o último leilão, as concessionárias federais operavam 1,5 mil km (15,4% do total). As concessões melhoraram significativamente as condições de pavimento, sinalização e serviços de apoio, além da oferta de acostamentos, terceiras faixas e suporte de segurança. Mas a questão pendente é a do que deve ser feito para atender às necessidades de manutenção, restauração e expansão, tanto da malha pavimentada não concedida quanto da não pavimentada.

O modelo adotado por São Paulo ampliou o alcance da privatização, pois implicou obras de ampliação da oferta, bem como melhorias nas estradas de menor tráfego. O pedágio, no entanto, ficou mais caro. No modelo federal as tarifas são mais baixas, mas será preciso Parcerias Público-Privadas, com aporte de recursos do governo, para desenvolver trechos não atrativos. Vantagens e desvantagens nos dois modelos, portanto. Os transportadores de carga que percorrem grandes distâncias utilizam, em média, dois terços de estradas sem pedágios e em condições precárias. Ao pagar tarifas altas no trecho concedido, os ganhos podem não ser compensadores. Mas, ao fim e ao cabo, o que importa é avaliar o nível de investimentos nos trechos concedidos.