Título: A difícil busca por um bom emprego
Autor: Barella, José Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2007, Internacional, p. A26

Jovens chineses queixam-se de que existe excesso de oferta de pós-graduandos altamente qualificados

Li Yi, uma jovem tímida de 26 anos, nasceu na Província da Mongólia Interior, no extremo norte chinês, e faz mestrado em Administração de Empresas numa universidade de Tianjin, cidade autônoma na região noroeste. Quer trabalhar na indústria têxtil, um dos setores mais aquecidos da superaquecida economia chinesa. Zhu Xiadong, um jovem de 22 anos, está no último ano do mestrado de Economia na prestigiada Escola Internacional de Administração e Economia da Universidade de Pequim. Zhu, que prefere ser chamado de Chris, seu nome ocidental, quer trabalhar no mercado de capitais, um dos segmentos mais bem remunerados na China.

Li e Zhu têm pouco em comum, exceto a confiança de obter um bom emprego - a maior preocupação da primeira geração de chineses nascidos após a abertura econômica de 1978. Eles formam um grupo à parte na sociedade. Cresceram livres dos valores da ortodoxia comunista, pelo menos se comparados à geração anterior, aprendendo que lucro e riqueza também são valores admirados. Usam jeans, têm os mesmos hobbies que a maioria dos jovens americanos, europeus ou brasileiros - e falam e pensam como eles. Praticamente todos receberam atenção exclusiva dos pais, pois nasceram sob a lei do filho único - plano imposto pelo governo em 1980 para frear o aumento da população, punindo com multas e restrições civis o casal que tivesse mais de um filho.

O fato de pertencerem a uma geração pioneira parece pesar nos ombros. ¿Esses jovens são mais pragmáticos, fazem planos pensando no próprio futuro. Falam sempre `eu¿, enquanto os pais eram obrigados a dizer `nós¿ e a pensar no coletivo¿, diz o sociólogo Sun Yunxiao, vice-diretor do Centro de Pesquisa de Juventude e Criança da China. ¿Por outro lado, têm uma grande preocupação em arrumar um emprego bem remunerado e, por isso, sentem a crescente pressão econômica¿, acrescenta Sun (leia entrevista na pág. 27).

Li diz que saiu da Mongólia Interior porque, embora existam ofertas de emprego, os salários são muito baixos. ¿Lá tem tudo, celular, banda larga e diversão, mas decidi apostar no meu potencial.¿ Ela está se filiando ao Partido Comunista em Tianjin e veio a Pequim conhecer o Mausoléu de Mao Tsé-tung, onde foi abordada pela reportagem do Estado. (Independentemente do currículo, a filiação ao PC ainda é boa opção para obter um bom emprego, principalmente nas províncias mais distantes, por causa das ligações do partido com a indústria local).

Zhu, com um inglês impecável, diz que ele e a maioria de seus amigos não se interessam por política. Mas fala com naturalidade sobre o crescimento da inflação e o superaquecimento da economia - ele tem a opinião do governo, de que a situação não vai escapar do controle. Zhu nasceu na Província de Jiangsu, na costa leste, onde seu pai é gerente de uma indústria têxtil.

Típico representante da classe média, Zhu gosta de música pop, de cantar no karaokê com os amigos e de baixar filmes pela internet. ¿O cinema está muito caro¿, explica a namorada, Jang Jing Yu, ou Joyce, de 23 anos, que faz mestrado em cultura britânica na Universidade de Relações Exteriores de Pequim. Uma sessão no Oriental Shopping, o mais sofisticado de Pequim, onde o casal passeava na semana passada, custa cerca de 50 yuans (R$ 13). Zhu não tem carro (¿meus pais tiveram de pagar o mestrado¿) e busca um salário inicial de 2.500 yuans (R$ 630). Com experiência, poderá ganhar 8 mil (R$ 2 mil), considerado um bom salário. Casamento? Os dois, juntos há dois anos, trocam um olhar de cumplicidade. Zhu esclarece: ¿Primeiro, precisamos arrumar emprego.¿

Um dos dramas dos jovens com qualificação é que a oferta de emprego é abundante na China - mas não a de bons empregos. É o que afirma Li Chao, que está prestes a concluir o mestrado em Direito. Aos 25 anos, ele está numa encruzilhada. ¿Há excesso de oferta de pós-graduandos altamente qualificados, pois o governo estimulou a especialização, mas o mercado não comporta tanto especialista.¿ Li, que não fala inglês, admite que sua chance de arrumar emprego numa multinacional é reduzida. ¿Terei de procurar emprego em empresas públicas ou privadas de pequeno porte¿, diz.

Distantes da polêmica, as adolescentes Liang Jing Jing e Zhang Ji, respectivamente de 18 e 19 anos, passeavam no Oriental Shopping pensando apenas na balada do fim de semana com os amigos - na verdade, um inocente almoço no McDonald¿s. As duas estão no primeiro ano de Design de Moda numa universidade da capital. Tímida, Zhang conta que estuda pintura e toca piano clássico. Liang, filha de um empresário, fala inglês e alemão e diz que gosta de filmes românticos, música eletrônica e de viajar - esteve recentemente na Alemanha. Preocupadas com o mercado de trabalho? ¿Não, ainda é cedo!¿, diz Liang. O relacionamento com os pais é ¿normal¿, segundo elas. A conversa não prospera por falta de assunto. ¿Adoro ir ao shopping¿, conta Liang, que não se lembra do último livro que leu. Mao deve ter se revirado no mausoléu da Praça da Paz Celestial, onde seu corpo embalsamado está exposto, ao ver que sua revolução comunista produziu, quem diria, patricinhas.