Título: Para Síria, Ocidente comete injustiça
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2007, Internacional, p. A22
Líderes dizem que país só perdeu com atentados no Líbano e controle de fronteiras é tão difícil quanto a dos EUA com o México
A Síria é acusada de apoiar o terrorismo contra Israel, de permitir a entrada de militantes islâmicos através da fronteira do país com o Iraque, de matar uma série de políticos libaneses que se opõem à influência de Damasco no Líbano, e de ser uma ditadura que passa de pai para filho.
No entanto, em Damasco, o regime do presidente sírio, Bashar Assad, considera-se injustiçado e afirma que as acusações contra ele são infundadas. Afinal, disseram duas autoridades do país ao Estado - o ministro da Informação, Mohsen Bilal, e o secretário-geral adjunto do Baath, Abdullah al Ahmar -, por que a Síria é terrorista, se é Israel quem ocupa o seu território (as Colinas do Golan) desrespeitando resoluções da ONU? Como controlar toda a fronteira com o Iraque, se os Estados Unidos - com muito mais dinheiro e recursos - não consegue controlar a sua com o México? Como acusar a Síria de matar os políticos libaneses, se foi justamente Damasco quem mais perdeu com essa história toda? E, finalmente, qual o problema de o atual presidente ser filho do anterior se, nos EUA, o presidente também é filho de um antecessor?
Com a posição de injustiçado no mundo árabe, a Síria vive hoje uma encruzilhada que lembra muito o fim da Guerra Fria, quando Hafez Assad, então líder sírio e pai de Assad, perdeu o seu principal aliado - a União Soviética. Na época, a Síria conseguiu manter sua influência graças a decisões consideradas corretas pelo Ocidente - como apoiar os EUA na Guerra do Golfo. Mais tarde, entrou em negociações de paz com Israel. Em troca, teve o controle militar e político sobre o Líbano, considerado por muitos sírios como parte da Síria.
Hoje a situação está longe de ser a mesma. A Síria colocou-se contra o ataque ao Iraque em 2003 - o país já vinha se aproximando de Saddam Hussein desde 1997 -, foi obrigada pelos próprios libaneses a sair do Líbano e as negociações com Israel fracassaram.
Muitos analistas, no entanto, acreditam que a Síria pode ser a chave de muitos problemas na região e, se tomar o rumo certo, pode normalizar suas relações com todos os vizinhos e com os EUA. A saída seria um acordo de paz com Israel, fim do apoio ao Hezbollah e ao Hamas e rompimento com o Irã. Em troca, ninguém importunaria Assad, que poderia continuar controlando o país. Mesmo assim, é difícil saber que rumo a Síria vai tomar. Apesar de ministros e outras autoridades serem acessíveis em Damasco, poucos entendem como funciona o regime e quem está no comando. Ao contrário de Beirute, há poucos correspondentes estrangeiros vivendo no país e há escassez de acadêmicos que se interessam pelo governo.
O cartão de visitas sírio é Bashar Assad. Logo ao cruzar a fronteira do Líbano com a Síria, a diferença começa. Se no Líbano há cartazes de uma dezena de líderes das mais diversas facções políticas e religiosas, na Síria há apenas o de Assad. Ao longo de cerca de cinco quilômetros após passar a fronteira, a cada 50 metros, há um pôster de Assad - algumas vezes, ao lado do pai Hafez, ou do irmão mais velho, Basil, morto num acidente de carro.
No inicio de seu governo, em meados de 2000, Assad chegou a pedir que fossem retirados todos os cartazes, pois achava antiquado, conta o historiador israelense Eyal Zisser, em seu livro Commanding Syria, sobre o líder sírio. No final, acabou cedendo à velha guarda do regime e permitiu que suas fotos ficassem espalhadas por todo o país. Aliás, como disse ao Estado um comerciante sírio no mercado de Damasco com uma foto de Assad na sua loja, ¿é sempre bom ter a foto dele porque os agentes do regime importunam menos¿.
Oftalmologista, com residência incompleta em Londres, Assad tem o perfil de uma pessoa moderna. É fã de Phil Collins, adora usar a internet, sua mulher trabalhou em fusões e aquisições no JP Morgan e foi aceita no MBA em Harvard e, segundo a imprensa israelense, o presidente adora jogar Playstation. Quando assumiu o poder, após a morte do pai, a expectativa era de que ele, com o perfil ¿ocidentalizado¿, implementasse reformas. E foi isso o que aconteceu no começo, inclusive no campo político. Fóruns de discussão foram abertos e alguns opositores conseguiram criticar abertamente o governo, mas, aos poucos, Assad passou a agir como nos tempos do pai, só que de maneira menos brutal. Os poucos sírios que tiveram coragem de criticar Assad - em geral temendo represálias - disseram que, pelo menos no atual governo, os opositores não são mortos. De fato, a oposição ao regime não foi exterminada, como aconteceu em Hama, nos anos 80, quando Hafez Assad ordenou o massacre de centenas de pessoas em uma cidade com forte presença de extremistas islâmicos. Hoje, os opositores de Assad dentro da Síria são presos ou vão para o exílio.
Apesar de menos brutal do que na época de Hafez, no entanto, a Síria é um regime fechado que lembra as ditaduras latino-americanas dos anos 70. Nos jornais, não há critica ao governo. Não há partidos de oposição, apenas poucos políticos independentes que agem como governistas. As pessoas temem fazer qualquer crítica ao governo. Sites da oposição são bloqueado. Curiosamente, os jornais israelenses Haaretz e Jerusalem Post podem ser lidos em qualquer cybercafé.
Até mesmo a tradicional elite damascena, majoritariamente sunita, se cala internamente. Em troca, Assad, que é alauíta, permite que eles mantenham seus negócios sem maior interferência do Estado. Aliás, a questão da religião na Síria vem sendo alvo de muita polêmica no Ocidente. O regime de Assad faria parte do crescente xiita, sendo que a maior parte da população da Síria é sunita. Além disso, o país, quando comparado com qualquer um de seus vizinhos árabes - excluindo o Líbano -, é considerado liberal.