Título: Volta ao mau soneto
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2007, Notas e Informaçoes, p. A8

Havíamos dito aqui, a propósito da emenda ao Projeto de Lei 1990/07, que regulamenta as centrais sindicais, aprovada na Câmara dos Deputados (por um surto comum de lucidez de governistas e oposicionistas), que se tratava de uma emenda melhor do que o soneto: o objetivo do governo era agradar aos líderes sindicalistas fortalecendo seus caixas com boa parcela da contribuição sindical a ser desviada do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Mas, pela emenda introduzida ao texto pelo deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), a contribuição sindical passara a ser facultativa - o que demolia o manancial herdado do peleguismo getulista, contra o qual, aliás, o moderno sindicalismo, de Lula e de seus prosélitos petistas, tanto se batia (antes de chegar ao governo, bem entendido).

Acontece que o relator do projeto no Senado, senador Paulo Paim (PT-RS), demonstrando a intenção de ¿agradar a todos¿ (o que nem sempre dá certo, como bem mostrou o dramaturgo Carlo Goldoni em sua magistral Arlequim Servidor de Dois Patrões), resolveu fazer o Imposto Sindical voltar a ser obrigatório - apesar de, como seus correligionários, ser ¿ideologicamente¿ contra esse imposto. Pela emenda do deputado Carvalho, o trabalhador terá que apresentar um documento no qual autoriza o recolhimento do Imposto Sindical. A intenção do senador Paim é dar esse direito de escolha não ao trabalhador, mas à assembléia da categoria à qual pertence. Ora, considerando-se como são administrados os interesses internos das entidades sindicais, assim como são conduzidas as assembléias - freqüentemente com mínima representatividade quantitativa -, é claro que essa alteração implica pleno retorno da obrigatoriedade do Imposto Sindical.

Mas o senador Paim parece que ainda não se decidiu entre a fórmula da opção, pelo imposto, via assembléias das categorias, ou o puro e simples retorno ao projeto original (sem a emenda do deputado Augusto Carvalho). A propósito, percebendo o erro que cometera em não tornar também facultativo o imposto arrecadado pelos sindicatos patronais, o deputado Carvalho já entrou com outro projeto fazendo essa inclusão. Com isso, eliminaria um dos argumentos dos que se opõem à emenda, acusando-a de adotar dois pesos e duas medidas - enfraquecendo os sindicatos obreiros e fortalecendo os patronais.

Ao defender a opção de recolhimento do Imposto Sindical por decisão das assembléias, disse o senador Paim: ¿Se couber só ao trabalhador, poderá haver forte pressão do patrão para o cidadão não contribuir e enfraquecer os sindicatos.¿ Indaguemos então: se prevalece essa visão maniqueísta, pela qual o patrão sempre deseja um sindicato de empregados fraco, como se explica que o PT e o próprio senador gaúcho já tenham se posicionado contra o Imposto Sindical compulsório? É que esse maniqueísmo já se tornou, no mínimo, obsoleto, nas relações trabalhistas contemporâneas, em que muitas vezes são os dirigentes das empresas que buscam a interlocução com sindicatos trabalhistas que disponham de força de negociação com seus próprios filiados - e neste sentido não podem ser fracos. Com efeito, que negociações em benefício da produtividade seriam possíveis com líderes sindicalistas sem apoio forte de suas bases? E como desfrutaria de tal apoio um sindicato destituído de recursos para bem funcionar?

Os sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais devem buscar meios de sobrevivência de conformidade com a capacidade que tenham de convencer os trabalhadores da categoria que pretendam representar de que lhes estão sendo de fato úteis, necessários. O que não é aceitável, numa democracia que pretende respeitar os direitos de quem trabalha, é sonegar ao cidadão trabalhador a liberdade de doar ou não o valor de um dia de seu trabalho no ano para entregá-lo a uma entidade, independentemente do respeito que esse trabalhador tenha por ela. É por isso que o senador Paulo Paim, que já revelou lucidez em outros momentos, agora está fazendo a emenda ao projeto de regulamentação das centrais restabelecer a ruindade do soneto.