Título: Contaminação muda a vida dos ribeirinhos
Autor: Kattah, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2007, Vida&, p. A30

Uso da água e a pesca são diretamente afetados; população pede controle mais eficaz

Várzea da Palma

O pescador José Maria Gonçalves do Nascimento, de 39 anos, ainda surpreende-se com a situação em Barra do Guaicuí. Ele conta que, antes da proibição da pesca nos rios, era possível pegar os peixes com a mão. ¿Eles ficam tontos sem oxigênio e cegos. Catei muito dourado das águas com as mãos. O bicho subia devagar, com o olho branco.¿

A comunidade possui cerca de 200 pescadores, que exercem a atividade de forma regularizada (¿com carteira¿) ou não (¿sem carteira¿). Apenas os pescadores regularizados têm direito ao seguro-desemprego de quatro salários mínimos pago pelo governo durante o período da piracema, quando a pesca é restrita para permitir a reprodução das espécies.

¿Não está dando para sobreviver de pesca mais não, o peixe diminuiu muito¿, afirma Adão José Rocha, de 72 anos, que vive há quatro décadas na Barra do Guaicuí. Rocha, que se classifica como um ex-pescador, lembra da época em que o São Francisco e o Rio das Velhas eram ¿límpidos¿. ¿Mas, depois do início da construção de barragens, a coisa foi piorando¿, disse. ¿A água desse jeito é a primeira vez que eu vejo. Para mim, não explicaram nada.¿

O pescador Cosmo Gonçalves de Medeiros, de 46 anos, porém, tem a explicação na ponta da língua. ¿O certo é que isso é esgoto, não adianta querer esconder¿, afirmou, enquanto navegava em um pequeno barco pelas águas esverdeadas na confluência dos rios.

Para o ¿abastecimento humano emergencial¿, a prefeitura de Várzea da Palma passou a fornecer dois galões de água por família, com capacidade de 20 litros cada. Em duas ilhas do São Francisco, logo após o encontro com o Rio das Velhas, também foram instaladas cisternas com capacidade para 8 mil litros de água.

A aposentada Abigail dos Reis Rodrigues, de 63 anos, moradora da Ilha do Engenho, costumava captar água praticamente na porta de casa, diretamente no Velho Chico. Agora, para o consumo doméstico, ela e a comunidade da ilha dependem do tanque instalado no terreiro de sua casa simples.

¿Está sendo um problema. Tem quarenta e tantos anos que eu moro aqui e nunca vi o rio assim. Agora, nem para tomar banho a água presta¿, reclama Abigail, enquanto retira o balde do tanque. Ela também se queixa que não pode mais ¿prosear à tardezinha¿ no terreiro com os vizinhos, como costumava fazer todos os dias. ¿A gente é obrigada a entrar em casa, mesmo com esse calor todo. O fedor (do rio) é demais.¿

As cerca de 60 famílias que residem nas Ilhas do Boi e do Engenho sobrevivem principalmente da pesca. Como ajuda, receberam no dia 10 cestas básicas da Cedec.

MANIFESTAÇÃO

As comunidades ribeirinhas da região temem pela manutenção da atividade pesqueira. No dia 19, aproximadamente 400 pessoas fizeram uma manifestação e espalharam peixes mortos numa ponte em Várzea da Palma, cobrando medidas mais eficazes para evitar a contaminação dos rios pelas algas azuis.

Apesar do alerta sobre os riscos que as cianobactérias oferecem à saúde, alguns insistem em desobedecer à proibição de pesca. Na quarta-feira, a reportagem do Estado flagrou dois pescadores em plena atividade na Barra do Guaicuí. ¿Até agora foi encontrada toxina na água, mas no pescado não está comprovado¿, argumentou um dos homens, que não quis se identificar.

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