Título: O fim da era Vargas
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2007, Espaço Aberto, p. A2

O período que se convencionou denominar de ¿era Vargas¿ se apóia sobre três símbolos: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Carteira de Trabalho e o Imposto Sindical. Com a reverência que lhes devemos, pela presença que têm na história das lutas sociais, já não deixam de ser ícones envelhecidos, que sobrevivem graças à inoperância do Poder Legislativo.

A antiga Carteira de Trabalho não resiste ao confronto com o vulgarizado cartão magnético de identidade - e o banco eletrônico de dados revela quão superado se encontra o sistema de livros e fichas de registro de empregados. Da CLT pouco é necessário dizer, tamanho o seu nível de obsoletismo. Quanto ao Imposto Sindical, criado em 1939, regulamentado em 1940, transplantado para a Consolidação em 1943 e reciclado em 1976 com o nome de Contribuição Sindical, ninguém desconhece a contribuição que tem dado para a depreciação da vida associativa, como um dos promotores e financiadores do peleguismo.

Antiga é a luta contra o Imposto Sindical. A rigor, iniciou-se com a promulgação da Constituição democrática de 1946. No clássico livro O Problema do Sindicato Único no Brasil, editado em 1952, Evaristo de Moraes Filho pregou que fosse extinto, por considerá-lo incompatível com o regime democrático. Sustentou Evaristo que, ¿diante de uma Constituição e de um regime democrático, parece-nos verdadeiramente exorbitante a cobrança compulsória de uma taxa, com a qual não se beneficiam diretamente os contribuintes¿.

Tudo, nessa cota coercitiva, traz a cor, o odor e o sabor do corporativismo fascista, extraído pelo nosso Direito do Trabalho da Carta del Lavoro da Itália de Mussolini, que as Constituições de 1946 e 1988 não conseguiram erradicar de maneira definitiva.

O desgastado peleguismo sindical esforça-se para impedir que os assalariados - operários, comerciários, bancários, motoristas, jornalistas, aeronautas, aeroviários, portuários, marítimos, rurais - recuperem a prerrogativa, perdida em 1940, de decidir se concordam, ou não, em suportar os custos de milhares de entidades artificiais, e de tantos dirigentes vitalícios à frente de sindicatos, federações e confederações.

Lavra, entre profissionais do sindicalismo, incontrolável terror e pânico de serem postos à prova no teste de liderança e representatividade, que se manifestará no momento do pagamento espontâneo da contribuição. É que eles foram habituados, desde o Estado Novo, a permanecer à sombra do governo, às eleições manipuladas e ao dinheiro fácil, que gastam como querem e do qual jamais apresentam contas.

Sustentam eles que o projeto trará a ruína da estrutura sindical, e que parte das entidades não se preparou para experimentar a perda da contribuição impositiva. Deixam de reconhecer, porém, que não conseguem ampliar o quadro de filiados pagantes de mensalidades voluntárias, e que se torna cada vez mais largo o espaço entre dirigentes ultrapassados e trabalhadores politizados, operosos e esclarecidos.

Dados do Ministério do Trabalho revelam a presença de aproximadamente 20 mil entidades sindicais no País. Basta contá-las em nosso Estado para se perceber a desproporção entre sindicatos e federações e o volume de trabalhadores no mercado formal. É do Ministério, por sinal, a afirmação de que o aumento significativo, após a Constituição de 1988, ¿resultou menos da organização sindical e bem mais da fragmentação de entidades preexistentes¿, e que lavra autêntica ¿bagunça¿ nessa esfera, como noticiou a Folha de S.Paulo em 8 de abril deste ano.

Lembro que, em novembro de 1990, o presidente Fernando Collor de Mello baixou a Medida Provisória nº 275, que dispunha sobre a extinção da Contribuição Sindical. O projeto de conversão foi, todavia, retirado, diante da obstinada resistência das confederações, federações, dos sindicatos e centrais.

A sabedoria do representante do PPS, autor da emenda aprovada na Câmara dos Deputados, consiste em não propor que seja extinta a contribuição, mas em transformá-la em recolhimento facultativo. A partir do instante em que a legislação entrar em vigor, caberá a cada empregado, no exercício dos direitos de cidadania, resolver se paga ou se discorda de fazê-lo, conforme a sua melhor conveniência. A proposta do representante do PPS está em harmonia com o princípio de livre associação fixado na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e presente nos artigos 5º e 8º da nossa Lei Maior - o primeiro, ao tratar do direito de livre associação, assegura que ¿ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado¿ e o segundo, que ¿ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato¿.

Cumpre, ainda, recordar que a Exposição de Motivos do Projeto de Lei de Relações Sindicais, assinada pelo então ministro do Trabalho Ricardo Berzoini - e o projeto, remetido ao Congresso Nacional pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, destaca como um dos objetivos da reforma ¿a extinção de qualquer recurso de natureza parafiscal para custeio das entidades sindicais e a criação da contribuição de negociação coletiva¿.

Se houver, apesar de tudo, quem interprete o exercício do direito de opção, quanto ao pagamento do Imposto Sindical, como atitude antiética, imoral e vulnerante das garantias fundamentais dos trabalhadores, a palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal. Nunca aos sindicalistas beneficiados pelo dinheiro ou ao Ministério do Trabalho.

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, aposentado