Título: Uma 'nova' CLT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2007, Notas e informaçoes, p. A3

Coordenado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), o grupo de trabalho encarregado pela Câmara de promover a consolidação da legislação brasileira acaba de anunciar sua mais importante iniciativa na atual legislatura. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 1.987/07, cujo objetivo é atualizar a legislação trabalhista editada há seis décadas pela ditadura varguista e revogar os dispositivos que o tempo tornou incompatíveis com a realidade socioeconômica do País.

Atualmente, existem mais de 177 mil leis ordinárias, leis complementares e decretos-leis em vigor. Aprovados em diferentes épocas, muitos desses textos legais tratam de regras obsoletas para os dias de hoje. Outros textos se intercruzam e se anulam reciprocamente, disseminando incerteza jurídica. ¿Nenhum advogado, cidadão ou ministro do Supremo Tribunal Federal sabe o que está em vigor, e essa situação torna mais morosa a tramitação dos processos¿, diz o deputado Vaccarezza.

A idéia do grupo que elaborou o projeto da Câmara é eliminar as contradições da ordem jurídica, rever conceitos ultrapassados, unificar terminologias, fundir dispositivos repetitivos ou de valor normativo idêntico, definir sanções pecuniárias com base no índice-padrão e reunir as diversas normas existentes sobre um mesmo assunto num único código. A modernização da legislação trabalhista, que, além de anacrônica, é de inspiração fascista, foi considerada a prioridade número um pelo grupo. O Projeto de Lei 1.987/07 abrange 206 textos legais relacionados à CLT - o que dá a medida do seu alcance.

Na época em que foi lançado, em 1943, esse texto legal contava cerca de 900 artigos. Desde então, já recebeu mais de 200 emendas e teve cerca de 20% de seus dispositivos alterados. Concebida na ordem jurídica da Constituição de 1937, a famigerada ¿polaca¿, outorgada por Getúlio Vargas, a CLT sobreviveu à Constituição de 1946 (promulgada), à Constituição de 1967 e à Emenda à Constituição nº 1 de 1969 (impostas pela ditadura militar) e à Constituição de 1988 (promulgada). Embora nas últimas seis décadas tenha entrado em vigor um grande número de leis extravagantes destinadas a regulamentar as novas relações individuais e coletivas de trabalho surgidas com a industrialização do País, até hoje a CLT é o marco regulatório da legislação trabalhista.

O PL 1.987/07 deverá ter tramitação rápida e diferenciada. A partir de sua publicação no Diário Oficial, que já foi solicitada por Vaccarezza ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT), abre-se o prazo de 30 dias para que os setores interessados apresentem sugestões. Em seguida, o grupo de consolidação encaminha a versão final do projeto à Comissão de Constituição e Justiça e esta, após examiná-la, a envia para o plenário. A expectativa é que o projeto seja votado em março. E, como é projeto de lei ordinária, ele pode ser aprovado por maioria simples.

Surpreendidos com a iniciativa do grupo de consolidação da Câmara, líderes sindicais reclamaram da exigüidade de tempo para apresentar sugestões de alterações ao PL 1.987/07 e da rapidez de sua tramitação. Advogados trabalhistas classificaram o projeto como uma ¿proposta golpista¿ e de inspiração ¿neoliberal¿, que teria por objetivo ¿flexibilizar¿ os direitos sociais. As centrais sindicais acusaram Vaccarezza de estar usando a atualização da CLT como pretexto para introduzir na legislação trabalhista mudanças que o presidente Lula gostaria de ver aprovadas sem sofrer desgaste político.

Embora Vaccarezza tenha divulgado nota afirmando que o projeto de lei não altera a legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a sistematizar normas já existentes, juízes trabalhistas afirmam que o projeto interfere nas negociações entre patrões e empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores.

Como a íntegra do PL 1.987/07 só foi divulgada há poucos dias, a polêmica em torno de seu alcance só está começando e é difícil saber quem está com a razão. Esta discussão, dada sua importância para a modernização das relações trabalhistas, não pode ser abreviada.