Título: Será o fim do carnaval sindical?
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2007, Espaço Aberto, p. A2

São raríssimas as boas notícias do Congresso Nacional. Uma veio recentemente, no meio de outras tradicionais, como a de que os deputados federais passarão a contar com banheiras de hidromassagem em seus apartamentos ¿funcionais¿ e a de que os senadores decidiram manter em segredo o destino que dão aos R$ 15 mil que recebem mensalmente a título de ¿verba indenizatória¿.

A boa nova veio em manchetes do tipo Câmara acaba com imposto sindical, que trataram de emenda do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) incluída no projeto que institucionaliza as centrais sindicais de trabalhadores, aprovado recentemente pela Casa. Essa emenda estabelece como facultativa a tal ¿Contribuição Sindical¿, que hoje os trabalhadores formais recolhem obrigatória e anualmente a seus sindicatos, na forma de um imposto.

Imediatamente após a notícia, começou ¿o que é isso, companheiro?¿ por parte de ¿lideranças¿ sindicais que perderiam o butim bilionário. Digo perderiam porque ainda há muito chão pela frente antes de a emenda se aplicar, e é duvidoso se ela sobreviverá ao tiroteio que enfrenta.

Inicialmente, vieram interpretações jurídicas de que foi inadequadamente redigida, pois altera artigo da CLT que trata do desconto em folha, mas não do que define a ¿obrigatoriedade da contribuição¿. Conforme seu autor, o texto poderá ser corrigido no Senado. Se assim aprovado, contudo, voltará à Câmara para reexame, tomando mais tempo, durante o qual as forças contrárias se organizarão ainda mais e poderão derrotar a idéia, começando no próprio Senado.

Neste, seu relator, Paulo Paim (PT-RS), já adiantou que mudará o texto. Disse ser favorável à extinção do imposto, mas, em lugar de cada trabalhador se dispor a fazer ou não uma autêntica contribuição sindical, pretende remeter o assunto a assembléias em que isso seria decidido. Ou seja, a fóruns controlados por ¿lideranças¿ e freqüentado por minorias. Disse também que poderá simplesmente cortar a emenda e deixar o assunto para um futuro projeto de lei (Valor, 23/10). O que disse tem tudo de armação em sentido contrário ao da emenda.

De ¿lideranças¿ sindicais veio a choradeira usual de que o fim do imposto inviabilizará financeiramente milhares de sindicatos. Ora, isso apenas explicita um dos problemas que a emenda procura resolver. Muitos deles só existem porque há o imposto. Por que sustentar assim os que não se viabilizariam com a contribuição voluntária de seus associados? Que valor estes estariam atribuindo aos serviços dessas entidades se não se interessassem em pagar voluntariamente por eles? Alguns sindicalistas dizem que atuam como fiscais das condições de trabalho, mas esse é um papel do governo, e é para custeá-lo que existem os impostos tradicionais.

Ressalte-se que o autor da emenda não serve como alvo dos que têm como hábito rotular interlocutores como neoliberais ou de direita sem discutir a lógica e o mérito de suas idéias. Pertence ao PPS e foi presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília. Tem origem num grupo de sindicalistas, em que também há gente do PT e da CUT, que sempre se manifestou contra o imposto. Como levou seu discurso à prática, gerou um grande rebuliço.

Outra questão levantada pelos opositores é que a emenda não se aplica aos sindicatos patronais. É verdade, mas isso não implica rejeitá-la, mas sim reformulá-la para acabar também com a tal ¿contribuição patronal¿. Aí virá a reação de ¿lideranças¿ empresariais cujas entidades também se sustentam com o imposto. Desse lado, será preciso que prevaleça o discurso dos que defendem o fim dele, pelas mesmas razões que norteiam o autor da emenda, a de assegurar entidades de classe legítimas na sua representatividade e independentes do governo, como cabe numa democracia autêntica em suas instituições.

Fui alfabetizado e passei a ler jornais ainda na era Vargas, que criou esse sindicalismo atrelado ao Estado, o qual procura controlar trabalhadores e empregadores com o objetivo de evitar conflitos que possam comprometer os fins buscados pelo aparato estatal fortalecido e autoritário no seu desenho. Aprendi então o significado do peleguismo, que vem de pelego, pedaço de pele de carneiro colocado em cima da sela para tornar mais macio o cavalgar. O termo passou a ser atribuído a sindicalistas que vicejam em torno do Estado para assegurar e tornar mais confortável o poder que governantes procuraram exercer autoritariamente sobre cidadãos dirigidos. Ou ¿cavalgados¿.

Não há como negar que hoje a taxa de peleguismo é bem menor, pois há grupos significativos de sindicalistas que procuram ser independentes, em meio aos que atuam na velha tradição e a pelegos sem nenhuma utilidade que não seu próprio conforto assegurado pelo velho imposto. Os primeiros precisam reafirmar sua independência abdicando dele, e aproveitar a extinção para se sobreporem aos segundos. Quanto aos terceiros, poderão retornar aos empregos que tinham quando assumiram posições nos sindicatos, conforme dispõe legislação que a emenda não revoga.

Ainda que enfraquecida, a sobrevivência dos termos pelego e peleguismo demonstra a utilidade que seus usuários viram neles. Olhando o quadro sindical atual, recordo-me também de outra comparação, aprendida com um carioca, a de um carnaval com carros alegóricos não-motorizados, em que uns os empurram com a força de seu imposto sindical, enquanto outros folgadamente cantam e dançam em cima, alguns até como destaques.

Depois que veio a emenda, o som dominante é o desse carnaval ainda ininterrupto. Espero estar errado - e me alegrarei por isso -, mas temo que ele irá sobreviver à emenda do deputado Carvalho.