Título: A Mesa do Senado delubiou
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Na mesma reunião em que resolveu segurar por tempo indeterminado o sexto pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra o presidente licenciado Renan Calheiros e arquivar pedido semelhante contra o representante mineiro Eduardo Azeredo, a Mesa do Senado tomou terça-feira uma decisão do bem: abriu mão da prerrogativa de decidir se encaminha ou não representações do gênero ao Conselho de Ética. Repassará burocraticamente as solicitações, e o colegiado que julgue, em cada caso, se cabe iniciar uma ação contra o senador acusado ou se rejeita a denúncia, por entender que é destituída de fundamento. Mas, sendo o que são os políticos brasileiros, não surpreende que essa iniciativa meritória tenha vindo em má companhia.

Embora sem votação formal, a cúpula do Senado derrubou a sugestão do presidente interino Tião Viana, do PT do Acre, para que se divulgasse no site da instituição como os seus membros declaram gastar os R$ 15 mil mensais da chamada verba indenizatória - para cobrir despesas com aluguel e manutenção de escritórios nos Estados, contratação de assessores e até com gasolina. Apenas 2 dos 81 senadores - o pernambucano Marco Maciel, do DEM, e o amazonense Jefferson Peres, do PDT - dispensam o ajutório. A fórmula encontrada pelos integrantes da Mesa para rebarbar a proposta de Viana foi a de que o assunto precisaria ser submetido antes ao colégio de líderes da Casa. Note-se que a inovação não incluiria a reprodução das notas fiscais a serem reembolsadas.

Depois da reunião, a portas fechadas, o presidente em exercício disse à imprensa ter argumentado que a divulgação sistemática dos gastos daria mais segurança aos próprios senadores. ¿Se não tiver nenhum corredor escuro, se tudo for aberto¿, justificou-se, ¿não poderá mais haver dossiê contra senadores.¿

Foi uma alusão ao rumor de que, recentemente, a mando de Calheiros, para intimidar os seus pares que desejam vê-lo pelas costas, o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, teria preparado prontuários sobre o uso de notas frias para o ressarcimento de gastos fictícios. Os opositores de Viana murmuraram que a idéia era um golpe de teatro, para o seu autor, interessado em ficar de vez na cadeira do licenciado, ganhar pontos junto ao público. E que haveria de errado se fosse? Mas isso, evidentemente, não passa de pretexto.

A verdade é que baixou no Senado o espírito do então tesoureiro-mensaleiro do PT, o inesquecível Delúbio Soares. Certa vez, quando se aventou a conveniência de que os partidos publicassem pelo menos mensalmente nos seus sites a contabilidade das entradas e saídas de suas campanhas eleitorais, o professor goiano foi de uma franqueza a toda prova. ¿Transparência assim¿, ensinou, ¿também já é burrice.¿

Na reunião da Mesa, a lição teria sido repetida com palavras mais elegantes por um dos seus membros, o primeiro-secretário Efraim Moraes, do DEM da Paraíba. A ele se atribuiu o irritado comentário de que a transparência sugerida deixaria a instituição ¿exposta demais¿. Não se pode acusá-lo de incoerência. Ele foi um dos dois mesários (em sete) a pedir o arquivamento sumário da mais nova representação contra Calheiros.

Por sinal, o político alagoano, na tentativa de provar que tinha meios para arcar com os seus gastos extramatrimoniais, juntou aos seus vencimentos de senador (R$ 16,5 mil mensais) os R$ 15 mil da verba indenizatória. O fato é que o reembolso de que gozam os senadores, sem compartilhar com o eleitorado as informações sobre os dispêndios que os justificariam, é uma importação da Câmara, no início da legislatura passada. Mas, desde 2004, os 513 deputados assumiram a obrigação de divulgar na internet de que forma gastaram os reais que voltarão para as suas contas. A obrigação não se estende à apresentação de notas ficais.

Considerando o conjunto de dados sobre a atividade dos parlamentares federais brasileiros, o Senado é uma caixa mais preta que a Câmara, cujo site contém um Portal Transparência.

Ali o interessado também encontra informações sobre a freqüência com que os deputados comparecem às sessões deliberativas - outra proposta de Viana vetada pelos seus desassombrados colegas de Mesa.