Título: Mistério marca saída de Rato do FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2007, Econimia, p. B16

Diretor-gerente alega `razões pessoais¿, mas muitos lembram que a política sempre foi sua paixão profissional

O espanhol Rodrigo de Rato deixa hoje a direção do Fundo Monetário Internacional (FMI), cargo do qual renunciou de maneira inesperada por razões que não convenceram, alimentando especulações tanto em Washington quanto em seu país natal. Assume hoje, em seu lugar, o ex-ministro francês de Economia e Finanças Dominique Strauss-Kahn.

A política sempre foi a paixão profissional de Rato, mais do que a economia, e seu sonho (mal disfarçado) era se tornar primeiro-ministro da Espanha.

Por isso, o anúncio em junho de que sairia do FMI caiu como uma bomba no Partido Popular (PP), partido conservador espanhol ao qual ele é filiado e que vai disputar as eleições gerais do país em março de 2008.

Rato, divorciado, alegou ¿razões pessoais¿ para deixar o cargo, especialmente para tomar conta da educação de seus filhos na Espanha. Desde junho, ele vem reafirmando que não voltará à vida política na Espanha ou na Europa.

Mas o próprio político alimentou especulações ao não dizer o que fará a partir de hoje. Até quem trabalha no FMI reconhece o mistério em torno da saída de Rato.

¿Ele não explicou bem¿, disse um alto funcionário, que não quis ter seu nome divulgado.

Apesar das negativas de Rato, as apostas em Washington apontam para intenções políticas. ¿As razões pelas quais ele saiu ainda não estão claras, mas evidentemente têm a ver com voltar à política na Espanha¿, especulou Claudio Loser, ex-diretor do Departamento de América Latina do FMI.

A saída de Rato é ¿um tanto quanto estranha. Parece que ele quis tomar uma posição com vistas à política na Espanha¿, comentou Desmond Lachman, antigo subdiretor do Departamento de Políticas Econômicas do FMI e ex-diretor-gerente do banco de investimentos Salomon Smith Barney.

Desde que assumiu o cargo no Fundo, em junho de 2004, Rato viajou freqüentemente à Espanha e esteve a par dos acontecimentos locais, fazendo comentários sobre a economia do país que o mantiveram em evidência, freqüentemente com uma visão alternativa à apresentada pelo governo.

Em Washington, a sua ¿menina dos olhos¿ foi a reforma do FMI e especialmente, sua proposta para redistribuir o voto na instituição, que ainda reflete basicamente o peso econômico dos países na época do fim da 2ª Guerra Mundial.

Mas Rato, ex-ministro da Economia espanhol, deixa o FMI no momento em que as negociações entre os países para definir a nova fórmula de votação estão emperradas. ¿É surpreendente que ele vai embora, porque o trabalho não terminou¿, disse Lachman.

A opinião foi a mesma de Riordan Roett, membro da diretoria do fundo de investimentos do Citigroup, o maior banco do mundo. ¿Eu, como todos, estou muito surpreso com sua saída¿, declarou, acrescentando que Rato ¿realmente não conseguiu muitas coisas em seu breve mandato¿.

Quando chegou à instituição, Rato deu de cara com muitos céticos. ¿Todos reconhecem sua habilidade, sua inteligência, sua compreensão dos problemas econômicos, sua qualidade como chefe de uma instituição econômica, mas a impressão geral é de que ele não tinha maiores interesse no FMI como tal¿, disse Loser.

O próprio Rato reconheceu que sua candidatura ao posto foi ¿muito inesperada¿. Aconteceu ¿praticamente em quatro semanas¿.

Rodrigo de Rato chegou depois de o antecessor, o alemão Horst Köhler, ter renunciado em março de 2004 com o propósito de concorrer à presidência da Alemanha, cargo que venceu e ocupa atualmente.

As portas do FMI foram abertas para Rato em um momento pessoalmente difícil, quando o então primeiro-ministro José María Aznar escolheu Mariano Rajoy - presidente do PP - como o candidato à sucessão.

Rajoy perdeu as eleições em março de 2004 e Rato ficou no ¿exílio¿ do FMI.

No FMI, instituição povoada por especialistas em juros cambiais, perfis de dívida e outros temas econômicos quase herméticos, Rato encontrou receio inicialmente. Pelo seu passado como político - ele só completou o doutorado em economia quando já era ministro - e suas freqüentes viagens à Espanha, muitos tecnocratas do organismo temiam que ele usasse o FMI apenas como trampolim para suas aspirações eleitorais em seu país natal.

Segundo Lachman, depois dos primeiros dois anos no cargo, esses medos diminuíram e Rato se concentrou mais em tocar seu projeto de reforma, herança agora deixada para Strauss-Kahn.

TRANSIÇÃO

A mudança de guarda acontecerá em um ato no átrio da sede do Fundo em Washington, no qual Rato receberá Strauss-Kahn.

Posteriormente, o novo chefe do FMI se reunirá com os altos cargos do órgão, disse uma fonte da instituição financeira.

Rato, o nono diretor-gerente do Fundo e o primeiro espanhol a ocupar o posto desde sua fundação em 1944, recebeu os cumprimentos de despedida em uma festa formal na segunda-feira para convidados especiais e, na terça-feira, em uma recepção aberta aos mais de 2.600 empregados do organismo.

Strauss-Kahn disse que continuará o processo de reforma iniciado por Rato, que inclui a redistribuição do voto nos órgãos de poder do Fundo.

A organização humanitária Oxfam pediu a Strauss-Kahn para tomar medidas rápidas para aumentar a voz dos países em desenvolvimento na entidade.