Título: Grampo legal foi usado para achaque
Autor: Tavares, Bruno., Bruno, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/10/2007, Metrópole, p. C7

Delegado pediu quebra de sigilo de traficantes à Justiça; informações foram utilizadas para extorsão

O delegado Pedro Luiz Pórrio e oito investigadores usaram um grampo autorizado pela Justiça para achacar supostos traficantes. Preso na terça-feira à noite, acusado de torturar e extorquir R$ 35 mil de um suspeito em Campinas, no interior de São Paulo, Pórrio conseguiu no Fórum de Osasco, cidade onde foi titular da Delegacia de Entorpecentes (Dise), permissão para interceptar conversas telefônicas. Mas, em vez de utilizar as informações para investigar, prender e incriminar a quadrilha, usou os grampos, o cargo e o aparato policial da delegacia para ameaçar e achacar suspeitos. Ontem à noite, os três policiais que ainda permaneciam foragidos após a decretação da prisão preventiva dos envolvidos se entregaram.

O esquema foi desvendado por acaso por promotores do Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e a Repressão ao Crime Organizado (Gaerco) de Campinas e policiais da Corregedoria da Polícia Civil da cidade. Na ocasião, o Gaerco e a Polícia Federal conduziam uma investigação conjunta sobre o tráfico de drogas na região e desconfiaram que policiais estavam achacando os criminosos.

Em 21 de setembro, um grupo da Corregedoria flagrou a equipe de Pórrio em ação. Sem comunicar as autoridades locais, o que é obrigatório nesse tipo de operação, policiais da Dise de Osasco viajaram até Campinas em busca de José Silas da Silva. A suspeita era de que ele havia recebido de Wagner de Vargas Vieira, o Vavá, traficante de drogas de Osasco, a quantia de R$ 1.800. Dias antes, ao ser preso pelo equipe de Pórrio, Vavá confessou ser traficante, forneceu detalhes sobre fornecedores e clientes e confirmou ter negociado entorpecentes com Silva.

Mesmo diante da confissão, Vavá não foi preso nem indiciado por Pórrio. Pior: as informações fornecidas pelo criminoso serviram apenas para que o delegado arquitetasse uma operação de achaque. O chefe dos investigadores da Dise de Osasco e braço direito de Pórrio, Antonio Cabellero Curci, ficou encarregado de recrutar a equipe. Além dos policiais da Dise, ele pediu apoio de três investigadores do 10º DP de Osasco. Pórrio e Cursi coordenaram a operação a distância.

Logo cedo, um comboio de três viaturas descaracterizadas partiu de Osasco com destino a Campinas. Às 9 horas, os policiais se posicionaram na entrada do bairro Xangrilá, às margens da Rodovia D. Pedro I, onde Silva vive com a família. Com socos e pontapés, o grupo ordenou que ele revelasse o endereço de sua casa. Silva ainda tentou despistar os investigadores. Mas diante das agressões a que ele, sua mulher e sua irmã foram submetidos, resolveu ceder. Na casa dele, os policiais confiscaram um pacote com R$ 34.962,00. O dinheiro, supostamente arrecadado com a venda equipamentos de borracharia, ficou escondido dentro de uma das viaturas.

Também aproveitaram para levar o veículo de Silva, um Gol, e os R$ 5 mil que estavam no banco traseiro. Os investigadores não se deram por satisfeitos. Com Silva algemado, passaram a exigir R$ 200 mil para livrá-lo da acusação de porte ilegal de arma - uma espingarda calibre 28 havia sido encontrada na casa da irmã dele.

Até um eletricista, morador do bairro, acabou sendo alvo dos policiais. Depois de ser submetido a uma sessão de tortura, ele foi obrigado a cavar buracos em torno do terreno, à procura de drogas que pudessem estar enterradas. Nada foi encontrado, exceto três tambores vazios - alguns deles com vestígios de cocaína - e um pacote de 180 gramas de um produto químico.

FLAGRANTE

Quando os investigadores de Osasco foram flagrados por colegas da Corregedoria e promotores de Campinas, comunicaram Pórrio e Cursi, que já seguiam para a cidade. No caminho, o delegado telefonou para seu superior, Emílio Paulo Braga Françolin, notificando ¿informalmente¿ que efetuara uma grande prisão, fruto de uma investigação que tinha até permissão judicial.

¿No meio da estrada o Pórrio me ligou e disse que estava indo para Campinas¿, confirmou Françolin. ¿Eu perguntei se tinha alguém preso e ele disse que era o traficante que estava sendo grampeado judicialmente¿, justificou. Françolin declarou que está ¿absolutamente tranqüilo¿ e não teme ter seu nome envolvido com os eventuais crimes praticados por seus subordinados.

O governador José Serra (PSDB) comentou o caso ontem. ¿Eles já estavam afastados e esse é o nosso trabalho de combater os desvios. Você descobre um problema e pune. O importante é fazer a punição.¿ Pórrio havia sido transferido para a Delegacia do Idoso e estava atualmente de férias.