Título: Licitação sem inversão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2007, Notas e Informaçoes, p. A3

Na forma como saiu da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o projeto que altera a Lei de Licitações deixa de ser um instrumento eficiente para atingir seus principais objetivos - que são dar maior agilidade às licitações públicas, aumentar a concorrência entre os interessados e desestimular conluios entre participantes. Ao incorporar a emenda apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), o projeto perdeu o que tinha de mais inovador, que era a inversão das etapas do processo licitatório.

O texto submetido à Comissão previa que o processo se iniciaria pela análise das propostas de preços. Só depois de definido o vencedor dessa etapa se examinaria se a empresa vencedora atende aos requisitos de habilitação técnica, jurídica e financeira. A emenda proíbe esse procedimento no caso da contratação de obras e serviços de engenharia.

O relator do projeto, senador Eduardo Suplicy (PT-SP), foi contra a emenda, por considerar que a abertura prévia da documentação técnica e econômica dos candidatos estimula o que ele chamou de ¿indústria de liminares¿, uma das principais causas dos adiamentos das licitações. Na opinião do relator, essa indústria é alimentada por grandes empresas para tentar afastar concorrentes.

O autor da emenda alega que seu objetivo é proteger o gestor público, assegurando que o objeto a ser contratado, obras e serviços de engenharia, será fornecido na melhor condição possível.

A inversão de etapas já é empregada pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo da Bahia. Recentemente, o governo federal também a utilizou, no leilão de concessões de sete trechos rodoviários.

Mesmo tendo perdido boa parte de sua eficácia para atingir seus principais objetivos, o texto preserva algumas inovações positivas, como a inclusão do pregão eletrônico entre as modalidades admitidas pela Lei de Licitações, que já previa licitações por carta-convite, tomada de preços, concurso, leilão e concorrência pública.

Até agora, o pregão eletrônico só vinha sendo utilizado de forma facultativa pelos três níveis de governo, mas apenas para a compra de bens e serviços comuns. O projeto aprovado pela CAE torna obrigatório o uso dessa modalidade para contratos de até R$ 3,4 milhões e estende sua aplicação compulsória para obras e serviços de engenharia (para contratos de valor superior, o uso é facultativo).

Outra inovação positiva é a obrigatoriedade de, no caso de obras e serviços de engenharia, as licitações serem realizadas com base no projeto executivo, que contém detalhes técnicos da obra, e não mais com base no projeto básico, que é bem mais simples. A necessidade de execução de serviços não especificados no projeto básico, mas que devem constar do projeto executivo, é argumento muito utilizado pelas empresas para justificar pedidos de aditamento dos contratos, que resultam em aumentos significativos do preço final.

Os aditamentos serão de, no máximo, 5% do valor do contrato, no fornecimento de bens e serviços em geral, e 10%, em obras e serviços de engenharia. Atualmente, o limite chega a 25% do valor contratado. Nas reformas de edifícios e equipamentos, o limite, hoje de 50%, passará para 25%.

Há quem diga que a aprovação da emenda foi uma vitória das grandes empreiteiras. Não é bem assim. Elas se opunham à inversão das etapas da licitação, sob o argumento de que isso abriria as portas para empresas incapazes de cumprir o contrato. Nesse caso foram vitoriosas. Mas se opunham também ao limite de R$ 3,4 milhões para obras e serviços de engenharia a serem contratados por meio de pregão eletrônico. E, nesse caso, foram derrotadas.

O projeto já passou pelas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Seu destino agora é o plenário, onde poderá recuperar a força que a CAE lhe retirou, se a maioria acompanhar o relator do projeto, senador Eduardo Suplicy. Um sinal de que isso pode ocorrer é a disposição da bancada do PSDB, estimulada pelo governador José Serra, de rever a decisão da CAE e restabelecer a inversão do processo de licitação.