Título: Nada de novo no ar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2007, Notas e Informaçoes, p. A3
No próximo sábado vai fazer 100 dias que o polivalente Nelson Jobim - ex-deputado federal, ex-ministro da Justiça, ex-presidente do Supremo - assumiu a Pasta da Defesa com uma contundente crítica ao antecessor, Waldir Pires, e uma promessa de trabalho mais parecida a uma ameaça. ¿A história registra o que fazemos e o que deixamos de fazer¿, perorou. ¿Faça ou vá embora.¿ Vá-se contar isso aos passageiros nas filas de check-in, fazendo figa para que os seus vôos não sejam cancelados, saiam com atrasos suportáveis, pousem nos aeroportos aos quais se destinam - e eles, viajantes, não sejam os últimos a saber o que os espera. Vá-se contar isso ao público em geral que recebe informações contraditórias a cada episódio dessa crise que não dá mostras de se abrandar. Quando Congonhas fechou no domingo do Grande Prêmio de Fórmula 1, a Aeronáutica culpou o mau tempo, enquanto a Infraero, a estatal dos aeroportos, culpava uma pane no sistema de operações.
Vá-se contar isso, enfim, aos controladores de vôo, que já pediram quatro vezes para ser recebidos pela autoridade que se gabou de ter carta branca do presidente Lula para acabar com o apagão aéreo, tomou posse como quem dá o proverbial murro na mesa e, desde então, freqüenta o noticiário menos por suas palavras, menos ainda por suas ações, do que pelas fotografias para as quais posa ora vestido de bombeiro, ora de militar camuflado, ora segurando uma sucuri, ora abraçado a um macaquinho. Ainda ontem, atestando que tudo continua como dantes no setor, se noticiou que os principais órgãos responsáveis pelo transporte aéreo no País - a FAB, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Infraero - ainda não haviam conseguido se entender para estabelecer um plano de contingência destinado a prevenir mais uma seqüência de dias caóticos nos aeroportos, nos feriados prolongados de Finados, Proclamação da República, Dia da Consciência Negra, Natal e Ano-Novo.
A causa primária da desarticulação seria o quadro de guerra aberta entre o ministro Jobim e o presidente da Anac, Milton Zuanazzi. O ministro da Defesa pressionou os demais membros da diretoria da agência a se demitir, mas esbarrou na obstinada resistência do ex-agente de viagens Zuanazzi a entregar o cargo, no que conta com o apoio dos grupos petistas que o guindaram a ele, a começar da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele tem sido aconselhado a fincar pé na função em que goza de estabilidade até o final do mandato. O ministro pretende tornar a sua situação insustentável depois que tomarem posse os novos diretores por ele indicados. Se der certo, deverá bancar para a vaga o nome da titular da Secretaria da Aviação Civil, Solange Vieira, de sua confiança. Os passos dessa dança de cadeiras pouco interessam, naturalmente, aos passageiros a quem tem sido negado até o menor dos direitos que lhe são próprios desde o momento em que adquirem o seu bilhete. Mas as coisas são indissociáveis.
Evitar o colapso do setor nos feriadões - a prioridade da renovada Infraero - depende de a Anac se pôr em campo, exigindo das companhias aéreas que se preparem para atender à demanda adicional em cada uma das etapas de suas operações. Mas para isso seria preciso reformar também a Anac, em sintonia com a Defesa. Com a agência desfalcada e o seu presidente às turras com o ministro, os planos da Infraero não levantarão vôo. O pior é o que pode se passar no ar. Nem o ministro Jobim, menos ainda o presidente Lula tomaram medidas dignas do nome para desfazer a crise estrutural do sistema de controle de vôo no País, que veio a público depois da colisão sobre a Amazônia em setembro do ano passado, com a morte de 154 pessoas, e chegou ao auge com o motim dos controladores em março último. Eles reivindicam a desmilitarização do serviço porque ¿o trato com os militares é lento e a aviação civil é dinâmica, requer respostas rápidas¿, segundo um operador citado pela colunista Claudia Safatle, do jornal Valor. A dura resposta da Aeronáutica ao levante só teria agravado a tensão sob a qual trabalham, sem que nada melhorasse, em contrapartida, nos equipamentos utilizados. E o ministro Jobim, que se recusa a conversar com eles, em entrevista recente, considerou equacionada a questão da segurança de vôo no Brasil.