Título: Mais municípios?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2007, Notas & Informações, p. A3

Como já se tornou comum nos períodos que antecedem os pleitos municipais, deputados federais e senadores integrantes do baixo clero parlamentar aproveitam a ocasião para tomar determinadas iniciativas com objetivos eleitorais que carecem de fundamentação técnica e ameaçam o equilíbrio das finanças públicas. Uma dessas propostas irresponsáveis é a criação de novos municípios, pelo processo da cissiparidade: emancipação de bairros e distritos. Ao todo, existem 817 projetos na fila, segundo levantamento de uma entidade municipalista do Rio Grande do Sul.

A principal justificativa para esses projetos é que as populações desses distritos querem ter prefeitos que atendam às suas reivindicações. Na verdade, contudo, o único interesse dos ¿municipalistas¿ é ampliar o ¿mercado de trabalho¿ para os profissionais da política, com mais cargos executivos e legislativos. Novos prefeitos e vereadores que irão manipular recursos dos governos estaduais e da União - uma vez que os novos municípios não têm receita tributária própria que garanta o custeio da máquina administrativa e as despesas de investimento - com o objetivo de progredir em suas carreiras, galgando as esferas estadual e federal.

Levantamentos da Secretaria do Tesouro Nacional informam que, em 2000, as transferências federais representaram, em média, 66% do total das receitas de todos os 5,5 mil municípios do País. Em 2002, o peso das transferências aumentou para 68,4%. Os mesmos estudos também revelam que o peso médio da receita tributária própria na receita total de todos esses municípios caiu de 17,8% para 17,1%.

Para evitar o agravamento do problema, em 1997 o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 15, proposta pelo Poder Executivo para tentar disciplinar a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. Além de aumentar as prerrogativas da União nessa matéria e de prever a realização de uma consulta prévia às populações envolvidas, por meio de plebiscito, a emenda exigia, entre outros requisitos, estudos de viabilidade econômica. Na época, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que essas exigências feriam o ¿princípio federativo¿ assegurado pela Constituição de 88 e que a autonomia política dos Estados estava no rol das chamadas ¿cláusulas pétreas¿, não podendo assim sofrer qualquer modificação. Mas, acompanhando os pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República, a mais alta corte do País rejeitou o recurso em maio deste ano.

Desde então, a bancada municipalista no Congresso, que é integrada por cerca de 10 senadores e 60 deputados, vem tentando de todas as formas encontrar maneiras de viabilizar a criação dos 817 novos municípios que estão na fila. Liderados pela União Nacional dos Legislativos Estaduais (Unale), e com apoio do presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), esses parlamentares conseguiram recentemente desengavetar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 13/03, do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS), que revoga prerrogativas da União e aumenta as competências das Assembléias Legislativas, em matéria de criação de novos municípios. ¿É preciso definir regras e não concentrar poderes¿, disse Viana.

Como os ¿municipalistas¿ são candidatos na eleição do próximo ano, a pressa é tanta que o presidente do Senado prometeu colocar a matéria em pauta ainda esta semana. Contudo, mesmo que a PEC venha a ser aprovada neste ano, a legislação em vigor exige que as Assembléias Legislativas obedeçam o prazo de um ano, no mínimo, para a apresentação de estudos de viabilidade econômica e realização de plebiscitos. Na prática, isso significa que não há tempo para a criação, em 2008, dos 817 pedidos de novos municípios que estão na fila. Mesmo assim, a aprovação da PEC 13/03 é um trunfo político para deputados e senadores, permitindo-lhes prometer mundos e fundos em seus redutos eleitorais.

Nesse afã de criar municípios sem a menor condição de se sustentarem, como se vê, o que menos importa é o interesse público.