Título: Esquema da Cisco no Panamá foi usado por Pinochet
Autor: Godoy, Marcelo., Cruz, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2007, Economia, p. B10

Escritório que montou uma rede de empresas offshore no Caribe é o mesmo que assessorou ditador chileno

O esquema usado pela Cisco Systems Inc. para ocultar patrimônio e lavar dinheiro por meio de offshore foi o mesmo usado pelo ditador chileno Augusto Pinochet. Documentos da Justiça chilena mostram que o escritório panamenho de advocacia Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal) usado pela Cisco e pela Mude Comércio e Serviços Ltda., distribuidora da multinacional da informática no Brasil, montou a rede de empresas em paraísos fiscais do Caribe para esconder US$ 27 milhões supostamente obtidos pelo general com a malversação de fundos públicos.

Howard Charney, vice-presidente sênior da Cisco, admitiu ao Estado que a empresa contrata o escritório para resolver problemas legais no Panamá. Ele negou que a multinacional soubesse do esquema de offshore montado para a lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio nas operações de importações de produtos da Cisco para o Brasil feitas pela Mude.

Segundo os investigadores da Receita Federal e da Polícia Federal, foi por meio do escritório Alcogal que a Mude, empresa que funcionaria de fato como o setor de importações da Cisco do Brasil Ltda., montou uma rede de 14 offshore nas Bahamas e Ilhas Virgens e três empresas com sede no Panamá, que controlaram a própria Mude, as operações de importação de mercadorias entre o Brasil e os EUA e o recebimento de pagamentos por supostos direitos autorais de softwares, forma que seria usada para justificar o envio de divisas para o exterior.

ILHAS VIRGENS

A Justiça Chilena mostra que a forma usada pelo ex-presidente Pinochet para esconder seu patrimônio foi semelhante. No despacho de 4 de outubro em que determinou a prisão de familiares do general, o juiz Carlos Cerda Fernández cita dez vezes o escritório panamenho. Na primeira, ele conta como em 22 de maio de 1991 foi aberta a pedido do Barclays Bank Plc., de Miami, a empresa Belwiew International Inc., com sede nas Ilhas Virgens, a qual tinha um capital de US$ 50 mil, dividido em ações de US$ 1,00, ¿todas de domínio de Augusto José Ramón Pinochet Ugarte¿.

Entre 1992 e 1995, o escritório foi responsável ainda pela abertura das empresas Kilmed Limited, Eastview Finance S.A., ambas nas Ilhas Virgens, que serviam para administrar o patrimônio do general. As empresas recebiam depósitos em suas contas vindos de outras offshore no Caribe e de contas bancárias na Suíça.

Mais tarde, em 1997, outra empresa passou a fazer parte do esquema, a Abanda Finance Ltd. Outras duas em nome de familiares de Pinochet foram incorporadas pelos escritório Alcogal ao patrimônio da família: a Redwing Holding Inc e a GLP Limited. Por meio desta última saíram dólares para a aquisição de imóveis no Chile. Outras duas empresas, em nome de colaboradores de Pinochet, também foram alvos da Justiça chilena, ambas em nome de Oscar Custódio Aitken Lavanchy. A família e os colaboradores de Pinochet negam as acusações.

Nenhuma dessas empresas está envolvida no caso Cisco, mas o fato de o escritório já ser alvo de outra investigação por lavagem de dinheiro reforça as suspeitas da Receita e da PF.Nas investigações, os agentes da PF e da Receita encontraram quatro laranjas - Andres Maximino Sanchez, John Benjamin Foster, Myrna Navarro e Miriam Estela Rivera - ligados ao escritório. Em nome deles estiveram registradas várias das offshore usadas no esquema de fraude e sonegação que causou um prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao governo.