Título: 'As tais bancadas estaduais não existem'
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2007, Nacional, p. A5

Marta Arretche: cientista política da USP Pesquisadora conclui que deputados seguem orientação do líder, mesmo em votações contra interesses de suas bases

No Brasil é comum ouvir entre políticos a expressão ¿bancada estadual¿, em referência aos blocos parlamentares que representam os Estados na Câmara dos Deputados. Na prática, porém, tais bancadas inexistem. Não passam de ficção. Foi o que constatou a cientista política Marta Arretche, depois de analisar o comportamento dos deputados na hora da votação de leis que afetam diretamente a vida de seus Estados e municípios de origem. ¿Não existe esse ator político chamado `bancada de São Paulo¿. Nem de qualquer outro Estado¿, diz a pesquisadora.

A pesquisa - com a qual Marta conquistou o título de livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) - cobriu 18 anos, de janeiro de 1989 a dezembro de 2006. Nesse período ela identificou e analisou 415 ocasiões em que foram votadas leis de interesse de Estados e municípios e concluiu que o mais importante para os deputados é a orientação do líder partidário. Para a professora, isso é bom para a democracia.

Como a senhora selecionou os projetos para seu estudo?

Procurei as matérias de interesse federativo, que opõem os interesses da União aos dos Estados; matérias sobre contribuições sociais que ajudam a resolver o problema fiscal da União mas não são repartidas, como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); e matérias que retiram transferências constitucionais da União, afetando negativamente receitas estaduais e municipais, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Analisei tudo que interfere na autonomia dos municípios para decidir sobre os próprios impostos. No período tivemos a Lei Kandir, que regulamenta como os Estados devem arrecadar o ICMS; o Estatuto da Cidade, sobre política urbana; a Lei de Diretrizes e Bases, que determina rumos da política educacional; a lei dos precatórios, dizendo como devem ser pagos; e outras.

E como votaram os deputados?

Seria de esperar que atuassem como bancadas estaduais, que defendessem os interesses dos Estados e vetassem as leis que fossem prejudiciais a eles. Mas não fizeram isso, aprovando boa parte das leis.

Por quê?

Em primeiro lugar porque as tais bancadas estaduais não agem de um modo coeso. Estão sempre divididas. Na verdade, não existe esse ator político chamado ¿bancada de São Paulo¿. Nem a de qualquer outro Estado.

Qual é a influência dos governadores no resultado das votações?

É baixa - e ocorre sobretudo pelo pertencimento partidário. Se o PFL (DEM) da Bahia tiver uma bancada numerosa na Câmara e o governador for do mesmo partido, ele vai ter certa influência. Mas não será o fator determinante.

Isso significa que quando o presidente pede apoio aos governadores para a aprovação de propostas do Executivo, como no caso da CPMF, o efeito é pequeno?

Se tem efeito, é marginal. Mas seria preciso verificar se o presidente, no caso citado, está buscando votos ou procurando dividir o ônus de uma medida considerada impopular.

Qual é então o fator que determina o voto do deputado?

O líder do partido. A taxa de fidelidade à orientação dele é da ordem de 90%. Veja o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ), votado no governo de Fernando Henrique. O que estava em debate era a obrigatoriedade de Estados e municípios gastarem 15% de sua receita com ensino fundamental e não ultrapassarem o limite de 60% nos gastos com pessoal. Os deputados poderiam ter questionado a limitação à autonomia do ente federativo. Mas debateram outros temas - como os efeitos da municipalização do ensino - e no final se dividiram: de um lado ficou a base de sustentação do governo e, do outro, a oposição. Na Câmara não ocorrem debates em termos de interesse do Estado de origem. Prevalece sempre a visão do partido.

Isso seria um indicativo de que os partidos são fortes?

Sem dúvida - e isso é importante para o bom funcionamento da democracia. No Brasil, os debates sobre questões federativas são coordenados pelos partidos. São debates nacionais e não regionais, o que significa que os interesses do Estado não são mais importantes que os interesses nacionais. Isso é bom do ponto de vista da unidade nacional, da sobrevivência da Federação, da manutenção do equilíbrio.

Por que os deputados não se empenham na defesa da maior autonomia dos Estados?

Por não darem valor a essa questão. A autonomia não está no centro da agenda política do País. Se interpreto corretamente, existe uma aceitação grande da idéia de que a União deve moldar com razoável nível de detalhe o que Estados e municípios devem fazer.

E como os líderes definem para onde deve ir o voto do partido?

São negociações partidárias. Na maioria das vezes as votações só são realizadas depois da costura dos acordos.

O fato de apoiar uma medida que prejudica o Estado não tem impacto eleitoral?

Não vejo isso acontecer. Observe o caso das votações que permitiram à União reter automaticamente 20% das transferências constitucionais, no governo Itamar Franco e, mais duas vezes, com FHC. Ela puniu os Estados, mas a bancada de sustentação do governo, apesar dos alertas, votou disciplinadamente e aprovou a medida.

Quem é: Marta Arretche

É professora livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).

Doutorada pela Unicamp, fez pós-doutorado no Instituto Tecnológico de Massachusetts (em inglês Massachusetts Institute of Technology, MIT), sempre na área de ciência política.

Sua pesquisa abrangeu um período de dez anos.