Título: Brasil é 3º em prioridades da Bolívia
Autor: Pamplona, Nicola
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2007, Economia, p. B4

Compromissos com o fornecimento de gás natural ao mercado interno e à Argentina vêm em 1º e 2º lugares

A retomada dos investimentos da Petrobrás na Bolívia não deve garantir, no curto prazo, alívio para o estressado mercado brasileiro de gás natural. La Paz, na verdade, se esforça para cumprir compromissos de abastecimento já firmados com o mercado interno e com a Argentina, restando ao Brasil o terceiro lugar na lista de prioridades para novos volumes de gás natural. Os projetos que serão anunciados em dezembro pela estatal brasileira vão, no máximo, garantir a manutenção do contrato atual até 2019, quando termina sua vigência.

O próprio presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, admitiu a hipótese na semana passada, ao dizer que a expansão do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) não está nos planos no momento. Ele afirmou que o gás de novos projetos bolivianos não serviria necessariamente ao Brasil e, no que concerne ao mercado brasileiro, o objetivo da companhia era apenas repor volumes de poços que estão se tornando maduros, ou seja, com os níveis de produção decrescentes.

Analistas do mercado de petróleo esperam que a Petrobrás anuncie a expansão, em até 6 milhões de metros cúbicos por dia, do campo de San Antonio, o maior da Bolívia. Além disso, novas parcerias em exploração de jazidas com a estatal boliviana YPFB podem sair do papel. Mas, mesmo em caso de descobertas, a Bolívia deve priorizar compromissos já assumidos. Com a Argentina, por exemplo, La Paz se comprometeu a entregar 27,7 milhões de metros cúbicos por dia a partir de 2010.

Além disso, especialistas lembram que a YPFB precisa encontrar gás natural para abastecer o complexo siderúrgico de Mutún, controlado pela indiana Jindal Steel, com consumo de gás entre 8 milhões e 10 milhões de metros cúbicos por dia. O investimento, de US$ 2,3 bilhões, é a menina-dos-olhos do programa do governo Evo Morales para industrializar o gás boliviano em seu território. Ainda não há data marcada para o início das operações, já que o contrato com a Jindal vem sendo contestado pela oposição.

A Bolívia trabalha ainda para aumentar o consumo interno de residências, comércio e veículos. No início do mês, o governo inaugurou a terceira fase da expansão do Gasoduto do Altiplano, que vai garantir à região de La Paz 2,1 milhões de metros cúbicos por dia. La Paz e El Alto já começam a receber postos de gás natural veicular (GNV) e experimentam uma explosão no acesso à rede de gás natural: entre 2000 e 2006, o número de clientes da distribuidora local cresceu 697%, segundo dados da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (CBH).

A tendência é que o crescimento se mantenha, pois a YPFB tem um projeto de incentivo à rede de gás domiciliar no país. Em 2005, o programa previa chegar a 39 mil residências, mas a meta já foi ampliada várias vezes e está em 91 mil.

Segundo a lei do petróleo boliviana, o mercado interno, que consome cerca de 6 milhões de metros cúbicos por dia, tem preferência sobre os demais. Depois, vem o contrato atual de exportações ao Brasil, conhecido como GSA (sigla em inglês para Acordo de Suprimento de Gás).

Com produção declinante e reservas no pior nível desde 2001, La Paz se viu obrigada a recorrer ao Brasil, para garantir a oferta atual e contratos futuros. ¿A reaproximação (entre Brasil e Bolívia) mostra uma visão pragmática dos dois lados: a Bolívia precisa de investimentos e o Brasil, garantir a oferta de gás¿, diz o analista político Gonzalo Chávez, da Universidade Católica Boliviana (UCB).

Ele lembra que os acordos dos primeiros meses de Evo com a estatal venezuelana PDVSA não renderam frutos práticos, mas apenas ¿doações de dinheiro para uso político¿. O mesmo deve ocorrer com a aproximação entre Bolívia e Irã. ¿O governo está percebendo que essas parcerias são muito mais políticas do que operacionais.¿ O governo Hugo Chávez se apresentou como parceiro de primeira hora de Evo, chegando a anunciar investimentos na Bolívia que nunca saíram do papel.

Segundo a CBH, a Bolívia precisa de pelo menos US$ 3 bilhões para cumprir os compromissos de entrega de 75 milhões de metros cúbicos em 2010. Observadores bolivianos acreditam que o exemplo da Petrobrás será estudado por outras companhias com atividades na Bolívia, que também suspenderam projetos. ¿Todos estarão de olho nessa reaproximação. Se der certo, é possível que outras empresas voltem a investir¿, diz um executivo com acesso às petroleiras.

Nesse caso, a Bolívia pode voltar, no longo prazo, a ser alternativa para aumentar o mercado brasileiro de gás natural. O consultor Jean-Paul Prates, da consultoria Expetro, calcula que o Brasil necessitará renovar o contrato atual, de 30 milhões de metros cúbicos por dia, além de garantir 12 milhões adicionais para cumprir suas metas de abastecimento do mercado interno em 2012.

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