Título: Dólar perdeu 31% desde 2002. E o fundo do poço ainda está longe
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2007, Economia, p. B14

Moeda ainda pode se desvalorizar de 8% a 10% em termos reais, calcula Kenneth Rogoff, ex-economista do FMI

Apesar da grande queda sofrida desde 2002, o dólar ainda não chegou ao fundo do poço, de acordo com importantes analistas da economia internacional. Desde abril de 2002, o dólar já se desvalorizou 23,2% ante uma cesta das moedas dos seus parceiros comerciais, ponderada pelo peso de cada um no comércio com os Estados Unidos. Contra as principais moedas do planeta, o dólar perdeu 31,2% do seu valor no mesmo período.

Segundo os cálculos de Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), atualmente professor de Harvard, o dólar ainda pode se desvalorizar entre 8% e 10%, em termos reais, em relação à cesta de moedas dos parceiros comerciais dos Estados Unidos. Essa desvalorização adicional, segundo suas estimativas, reduziria o estonteante déficit em conta corrente dos Estados Unidos do nível atual de quase 6% do Produto Interno Bruto (PIB) para aproximadamente 3%.

O economista americano Brad Setser - sócio de Nouriel Roubini em um dos mais prestigiados sites econômicos do mundo - também espera que o dólar continue se desvalorizando, sobretudo em relação às moedas dos países emergentes.

Em relação ao real, a taxa de câmbio do dólar saiu de um pico de quase R$ 4 em 2002 para R$ 1,74 atualmente, o que significa que a moeda americana se desvalorizou 56% no período (e o real valorizou-se 129%). Essa trajetória esteve muito ligada à estabilização da economia brasileira e à imensa queda no risco Brasil, que reforçaram o real.

A valorização mais recente da moeda brasileira, porém, especialmente em 2007, parece ser, como diz Gino Olivares, economista-chefe do Opportunity Asset Management, ¿muito mais um fenômeno global do dólar do que algo relacionado ao real¿.

A grande desvalorização da moeda da maior potência do planeta vinha sendo prevista há cerca de uma década, em função do aumento avassalador do déficit em conta corrente americano, que atingiu US$ 811,5 bilhões em 2006. Em recente trabalho, Rogoff nota que a situação atual não tem precedentes históricos, pois o déficit em conta corrente americano é mais do que o dobro da soma dos déficits de todos os países que têm conta corrente devedora.

As contas externas americanas dão sinais, ainda tênues, de que a grande desvalorização sofrida pelo dólar desde 2002 pode já ter algum efeito no déficit em conta corrente. Nos 12 meses até julho de 2007, o buraco caiu para US$ 793,2 bilhões, e o déficit acumulado no primeiro semestre deste ano, de US$ 387,9 bilhões, foi 4,5% menor do que os US$ 406,2 bilhões em igual período de 2006.

Os dados da balança comercial americana de setembro, divulgados sexta-feira, parecem indicar que a leve tendência de melhora no setor externo continua. O déficit comercial em setembro foi de US$ 56,45 bilhões, recuando 0,6% em relação a agosto, e vindo bem abaixo dos US$ 59,2 bilhões previstos, em média, pelos analistas. As exportações, por sua vez, cresceram 1,1% em setembro, o que também foi considerado um bom resultado.

¿Não há nenhuma dúvida de que estamos vendo no momento uma grande virada em termos de correção dos grandes desequilíbrios da economia global, graças a uma combinação de crescimento mais lento nos Estados Unidos e de crescimento robusto nos mercados emergentes¿, diz Rogoff. Mas ele acrescenta que ¿a pergunta de US$ 800 bilhões¿ é se os países asiáticos vão permitir que suas taxas de câmbio se valorizem o suficiente para que também contribuam para a redução do déficit americano.

A resistência da China em deixar seu câmbio valorizar-se mais rapidamente é um dos fatores, segundo Rogoff, que fazem com que as taxas de câmbios contra o dólar de países de regime flutuante, como o Brasil, experimentem um ¿overshooting¿ - isto é, valorizem-se de forma muito intensa e muito rápida, e para níveis que podem não ser sustentáveis no longo prazo.

Setser observa que, apesar de o déficit externo americano com a Europa, Canadá e América Latina estar caindo, ainda está em expansão em relação às economias asiáticas e aos países exportadores de petróleo.

Outra preocupação dos especialistas é a de que a resistência chinesa a participar da redução do déficit em conta corrente americano (isto é, a China valorizar sua moeda e reduzir o seu superávit externo) leve a uma onda internacional de protecionismo, em um momento no qual a Rodada Doha de negociações comerciais já passa por enormes dificuldades. ¿Repare só em como a Hillary Clinton (possível candidata democrata à presidência dos EUA) vem apanhando dos seus rivais pelo fato de ter numa certa ocasião apoiado o Nafta (acordo de livre comércio entre Estados Unidos, Canadá e México)¿, diz Rogoff.