Título: Lei contra os estagiários
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2007, Notas e Informaçoes, p. A3

Com a aprovação da Lei de Estágio pelo Senado, nessa semana, o País continua na contramão da história, em matéria de direito do trabalho. Enquanto os países desenvolvidos continuam flexibilizando a legislação trabalhista, com o objetivo de desonerar as contratações e demissões, dar às empresas condições de adequar seu quadro de pessoal às oscilações de mercado e incorporar as novas gerações na economia formal, o Brasil continua apegado a um tipo de paternalismo que, a pretexto de evitar que os jovens sejam utilizados como mão-de-obra barata, na prática somente os prejudica.

O estágio, que há muito tempo é considerado uma atividade curricular obrigatória pelas mais conceituadas universidades, é uma oportunidade para que os estudantes possam aprofundar, com a prática, os conhecimentos teóricos que aprenderam em sala de aula e conhecer melhor o ambiente físico e humano em que exercerão as profissões que escolheram. Em outras palavras, o estágio não é um emprego, mas uma forma complementar do aprendizado dos cursos de nível médio, técnico ou superior que está disciplinada por uma lei editada em dezembro de 1977 e regulamentada por um decreto de agosto de 1982.

Segundo essas normas, o estágio tem duração de quatro meses a um ano, podendo ser renovado por mais dois meses. Como não há qualquer tipo de vínculo empregatício com a empresa que o contratou, o estagiário recebe uma remuneração pelo trabalho, como forma de incentivo, além de vale-transporte e tíquetes de alimentação. Ele não tem direito a férias, a 13 º salário, a participação nos lucros e resultados ou a qualquer outro benefício salarial. A legislação não estipula uma carga horária para o estágio, mas a jornada não pode atrapalhar o horário de aula dos estudantes.

Concebido pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o projeto da nova Lei de Estágio foi enviado ao Congresso no ano passado, em regime de urgência, e teve uma tramitação conturbada no Senado. Entre outros problemas, o ministro foi acusado de ter plagiado um antigo projeto do senador Osmar Dias (PDT-PR). Ao justificar suas iniciativas, tanto Lupi quanto Dias alegaram que muitas empresas usam estagiários como mão-de-obra barata, desvirtuando o estágio como ¿meio de consolidação de conhecimentos escolares¿.

O projeto aprovado pelo Senado, que ainda deve ser submetido à Câmara, limita o número de estagiários que podem ser contratados, impondo um porcentual máximo conforme o tamanho da empresa. Concede o direito de férias e estabelece que a jornada de trabalho não poderá ultrapassar 30 horas semanais para os estudantes de nível técnico e superior e 20 horas semanais para os estudantes do ensino médio. E ainda exige que o estagiário tenha seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil por danos causados a terceiros.

Estas últimas medidas são redundantes, por já estarem de algum modo previstas pelo Código Civil. As demais aumentam os custos das empresas e as obrigariam a demitir estagiários, para se adequarem aos porcentuais máximos impostos pelo projeto. Atualmente, há 1 milhão de estagiários trabalhando na iniciativa privada. Pelas estimativas do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), 400 mil poderão ser dispensados, se o projeto votado pelo Senado passar pela Câmara. E, como muitas empresas sustentam com recursos próprios programas de treinamento e qualificação em tecnologia de ponta, para contornar o problema da escassez da mão-de-obra qualificada, quem perde com o projeto são os estagiários, pois dificilmente aprenderão na escola ou na universidade o que é ensinado nesses programas.

De fato, algumas empresas usam estagiários como mão-de-obra barata. Mas a responsabilidade de fiscalizar os falsos estágios cabe ao Ministério do Trabalho. Este, em vez de cumprir o papel básico para o qual foi criado, coibindo abusos cometidos por uma minoria, preferiu elaborar uma nova lei que prejudica a todos - empresas, estagiários, escolas e universidades. Resta esperar que a Câmara dos Deputados derrube o texto que em má hora foi aprovado pelo Senado.

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