Título: Rússia condecora seu espião do século
Autor: Broad, William J.
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2007, Internacional, p. A16

Agente, que morreu em 2006, passou segredos do desenvolvimento da bomba atômica americana para a URSS

Ele era um americano típico: nasceu em Iowa, estudou em Manhattan, jogava beisebol com seus camaradas do Exército. George Koval tinha um segredo. Era um espião soviético, que usava o nome de código Delmar, treinado pelo implacável serviço de inteligência de Stalin.

Segundo os historiadores, Koval - que morreu em Moscou no ano passado, aos 92 anos - parece ter sido um dos mais importantes espiões do século 20. Ele deu ao regime soviético detalhes fundamentais sobre o processamento e produção de grandes volumes de polônio, plutônio e urânio - reduzindo substancialmente o tempo que a União Soviética necessitaria para produzir sua bomba atômica. Em agosto de 1949, cinco anos depois do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, os soviéticos explodiam sua primeira bomba experimental. Mas só agora isso se tornou público.

No dia 2, o Kremlin surpreendeu os ocidentais ao anunciar que o presidente russo, Vladimir Putin, outorgara postumamente sua mais importante condecoração, a Medalha de Herói da Federação Russa, ao agente soviético que se infiltrou no Projeto Manhattan - que desenvolveu a bomba americana.

No comunicado do governo russo, Koval foi elogiado como ¿o único agente soviético¿ a infiltrar-se nas instalações secretas do projeto, nas quais se processava o combustível nuclear. Seu trabalho, segundo a nota, ¿ajudou a acelerar consideravelmente o tempo para a URSS desenvolver sua própria bomba¿.

Desde então, historiadores, cientistas e outros velhos amigos de Koval lembram sua história - do atleta, do sujeito apreciado por todos, do gênio em estudos técnicos. As agências de inteligência dos EUA sabiam da sua traição já no início dos anos 50, mas nunca revelaram o segredo.

Sua família mudou-se da Rússia para Iowa e depois retornou à União Soviética. Isso o tornou um comunista convicto e, ao mesmo tempo, um profundo conhecedor dos hábitos americanos.

Em Sioux City, localidade de Iowa onde ele nasceu, há uma grande comunidade judaica e uma dezena de sinagogas. Em 1932, durante a Grande Depressão, sua família retornou à Sibéria. Dois anos depois, Koval estava em Moscou e se destacava nos estudos no Instituto Mendeleev de Tecnologia Química. Diplomado com louvor, foi recrutado e treinado pela inteligência soviética e enviado de volta aos Estados Unidos, onde atuou como espião por quase uma década, de 1940 a 1948.

Stewart D. Bloom, físico no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, da Califórnia, que estudou com Koval, disse que ele era comedido. ¿Ele jogava beisebol, e bem¿, lembrou Bloom. Não tinha sotaque russo. As credenciais do químico eram perfeitas. ¿Às vezes eu o via com o olhar perdido, pensando em alguma outra coisa. Agora, acho que sei o que era¿, prossegue Bloom.

Especialistas e agentes federais identificaram, por anos, alguns indivíduos que espionaram para os soviéticos, especialmente em Los Alamos, Novo México. Todos eram espiões por impulso e solidários à causa, mas sem um treinamento rigoroso.

O casal Ethel e Julius Rosenberg - ambos comunistas americanos - foi sentenciado à morte em 1951 por ter passado segredos atômicos dos EUA aos russos. Os dois foram executados na cadeira elétrica em 1953. A culpa de ambos é posta em dúvida até hoje.

Koval, ao contrário, era um espião treinado pela temida GRU, a agência de inteligência do Exército soviético. Teve amplo acesso às usinas atômicas dos EUA - façanha que nenhum outro espião soviético alcançou.

O químico e o casal Rosenberg estudaram juntos no City College de Nova York - então, um notório reduto dos comunistas americanos.

Depois do fim da 2ª Guerra, Koval fugiu dos EUA, quando agentes da contra-espionagem americana descobriram documentos soviéticos que elogiavam sua família.

A atuação de Koval começou a ser conhecida na Rússia em 2002, com a publicação do livro A GRU e a Bomba Atômica, no qual ele foi chamado apenas pelo nome de código. O livro não dá detalhes biográficos, mas diz que ele foi um dos poucos espiões a conseguir enganar a contra-espionagem dos EUA.

De sua vida após o retorno à União Soviética pouco se sabe. Os vizinhos do apartamento de Moscou onde ele morreu têm dele uma imagem parecida com a dos colegas americanos: a de um homem simples, polido e respeitoso.