Título: SP propõe lei contra discriminação racial em órgãos públicos do Estado
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2007, Nacional, p. A10

Simone, de 24 anos, será a primeira a receber a indenização prevista no projeto enviado por Serra à Assembléia

Dentro de pouco tempo, o Estado de São Paulo vai pagar indenizações por danos morais e materiais a vítimas de discriminação racial institucional, ou seja, promovida por órgãos públicos. Um projeto de lei neste sentido foi envido ontem, véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, à Assembléia Legislativa pelo governador José Serra (PSDB).

A primeira pessoa a ser indenizada, com R$ 36 mil, será a empregada doméstica Simone André Diniz, de 24 anos, que há 10 anos não conseguiu um emprego por ser negra. O anúncio, publicado em jornal, dizia que a candidata ao cargo deveria ser ¿preferencialmente branca¿.

Por conta desse caso, o governo brasileiro foi processado na Organização dos Estados Americanos (OEA) e recebeu uma recomendação especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da entidade para que reparasse o dano causado à então estudante e tomasse medidas preventivas para evitar o racismo. Como as instituições envolvidas eram paulistas, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República remeteu o caso ao governo do Estado. ¿A lei tem o caráter de reparação individual de um caso, mas representa um sinal vermelho para as entidades e pessoas que têm a propensão ao racismo¿, explicou Serra, para quem o ato sofrido por Simone é ¿injustificável.¿

O governador ressaltou que até já assinou o ato de regulamentação da lei a ser discutida pela Assembléia. O presidente da Casa, o deputado tucano Vaz de Lima, afirmou que vai discutir o projeto amanhã, no colégio de líderes, e tentará votá-lo ainda nesta semana. ¿O projeto de lei seguirá em regime de urgência urgentíssima e vamos encaminhá-lo o mais rápido possível, até porque ele é emblemático e demonstra a posição de São Paulo contra o racismo, constituindo-se em um exemplo para o País¿, argumentou.

INQUÉRITO

Há 10 anos, depois do ato de discriminação sofrido por Simone, foi aberto um inquérito na Delegacia de Crimes Raciais da Polícia Civil. O Ministério Público Estadual, entretanto, entendeu que não havia elementos para a denúncia e opinou pelo arquivamento do inquérito, posição acolhida pela Justiça, em decisão para a qual não cabe recurso.

A OEA concluiu que se configurou discriminação racial institucional, porque não foi garantido a Simone o pleno acesso à Justiça e o direito ao devido processo legal, assegurado em várias convenções internacionais subscritas pelo Brasil.

Para a advogada de Simone, Maria da Penha Guimarães, a decisão da Justiça se explica porque existe um racismo subterrâneo no País. ¿A visão do juiz é a mesma da sociedade, que mantém o seu racismo no armário¿, disse Maria da Penha, que é representante do Instituto do Negro Padre Batista. ¿Mesmo assim, a lei é o primeiro passo no combate às práticas racistas e esperamos novos avanços neste sentido.¿ Ela contou que Simone, que vive com o marido e dois filhos na zona leste, deve usar a indenização para comprar uma casa e realizar o sonho de estudar fisioterapia.

Simone não participou da cerimônia no Palácio dos Bandeirantes. Ela continua trabalhando como doméstica e não foi liberada.