Título: Governo dribla leis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2007, Notas e informações, p. A3

O governo poderá driblar não só uma, porém duas leis, a eleitoral e a de Responsabilidade Fiscal, com a medida provisória (MP) aprovada na terça-feira pela Câmara dos Deputados. No próximo ano, prefeitos aliados poderão receber dinheiro federal até a véspera da eleição, se a verba estiver vinculada ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E não precisarão estar em dia com seus débitos, nem as finanças municipais terão de estar dentro dos limites previstos para endividamento e gastos com pessoal. A experiência eleitoral de 2008 nos municípios servirá de treino para a intervenção na campanha de 2010, quando estarão em disputa os governos estaduais.

Para oferecer todas essas possibilidades ao governo, os deputados da base aliada removeram emendas introduzidas no texto da MP durante a tramitação no Senado. Reconstituíram, assim, sua feição original e garantiram ao Palácio do Planalto um extraordinário mecanismo de intervenção nas eleições municipais e estaduais.

A legislação eleitoral proíbe a transferência de recursos federais a prefeitos e governadores nos três meses anteriores à data de uma eleição, se o repasse for voluntário, exceto se for destinado a ¿cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado¿, ou se o dinheiro for destinado a socorrer ¿situações de emergência e de calamidade pública¿. Se essa é a norma, a forma de contorná-la é tornar obrigatório, por lei, o repasse destinado a obras do PAC.

Essa foi uma das mudanças propostas na versão original da medida provisória. Eliminada no Senado, a inovação foi restabelecida na Câmara. O governo federal decidirá, naturalmente, se uma despesa será enquadrada no PAC e, portanto, se a transferência do dinheiro a um determinado prefeito ou governador será obrigatória, ficando fora, portanto, das limitações impostas pelas normas eleitorais. Essa prerrogativa também está prevista na MP.

A Lei de Responsabilidade Fiscal também limita as transferências a governos estaduais e municipais. Para receber repasses voluntários, um município ou Estado precisa estar em dia com o pagamento das obrigações com a União. Além disso, não pode ter ultrapassado os limites de endividamento e de gastos com pessoal. Mas esses detalhes deixam de valer para as transferências de recursos do PAC, graças à medida provisória recém-aprovada pelos congressistas.

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já conseguiu burlar a lei eleitoral, concedendo aumentos salariais ao funcionalismo e classificando os benefícios como acertos de carreiras. Houve alguma resistência inicial de membros do Poder Judiciário, mas o assunto foi logo abandonado. A discussão arrefeceu - notável coincidência - depois de o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, informar a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, da disposição do presidente Lula de atender à reivindicação salarial do pessoal do Judiciário.

Essas e outras bondades do período eleitoral foram incluídas nas contas da União como despesas permanentes. O presidente conseguiu reeleger-se, até com folga, mas já entrou no segundo mandato com necessidades financeiras maiores, porque precisaria saldar os compromissos assumidos durante a campanha. Também isso explica a resistência do governo a todas as tentativas de extinção da CPMF. Como renunciar a uma arrecadação tão gorda, quando os compromissos permanentes crescem com tanta rapidez?

O DEM e o PSDB decidiram continuar o jogo fora do Congresso, contestando a recém-aprovada MP com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin). Segundo os autores da ação, o governo já usou a MP para contornar a legislação anterior e realizar repasses.

O STF dirá se a MP é ou não inconstitucional. Mas não há dúvida nenhuma de que é uma ameaça às finanças públicas, porque afrouxa perigosamente as normas fiscais, e à lisura do processo eleitoral. O esforço do governo para conseguir a aprovação dessa MP confirma com absoluta clareza um diagnóstico formulado há alguns anos: o presidente Lula e seus companheiros chegaram ao Palácio do Planalto com um projeto de poder, mas não de governo. Essa condição não foi alterada.

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